
Em um conto sobre os riscos de um governo déspota, o jornalista Nicolau Araújo ilustra o atual momento político no Brasil. Confira:
Um dia, o rei recebeu reclamações por causa das altas taxas de impostos.
– Expulsem do reino a metade dos sonegadores e executem a outra metade. Ordenou o rei, que deu o problema por resolvido.
Em outra ocasião, os agentes de saúde protestaram contra as más condições de trabalho no atendimento às vilas distantes.
– Expulsem do reino a metade dos médicos e executem a outra metade. Ordenou o rei, que deu o problema por resolvido.
Noutro momento, os professores ameaçaram não mais ocupar as salas de aula, diante da falta de investimentos em educação.
– Expulsem do reino a metade dos educadores e executem a outra metade. Ordenou o rei, que deu o problema por resolvido.
Dias após, os jovens foram às ruas para cobrar transparência no gasto do dinheiro real.
– Expulsem do reino a metade da juventude e executem a outra metade. Ordenou o rei, que deu o problema por resolvido.
Semanas depois, os padres cobraram o perdão e mais justiça no julgamento da realeza.
– Expulsem do reino a metade dos religiosos e executem a outra metade. Ordenou o rei, que deu o problema por resolvido.
Certa vez, os menos favorecidos foram para a frente do palácio e pediram comida, moradia e trabalho digno.
– Expulsem do reino a metade dos plebeus e executem a outra metade. Ordenou o rei, que deu o problema por resolvido.
Tempo depois, os nobres reclamaram a realização de tarefas, nunca antes por eles exercidas.
– Expulsem do reino a metade desses incapazes e executem a outra metade. Ordenou o rei, que deu o problema por resolvido.
Um dia, então, formou-se um reino de um único habitante. Sobravam moedas de ouro, sobravam leitos em hospitais, sobravam matrículas em escolas, sobravam templos, sobravam lavouras, sobravam vagas de emprego, mas faltava governo.
Ao observar a passagem de um velho viajante, o rei prontamente o convidou para habitar o seu reino, na certeza de seduzi-lo diante de tanta fartura.
– Sinto muito, sou um sábio. E, assim sendo, pertenço ao mundo.
Porém, curioso com o estado do reino, o sábio quis saber como tal situação ocorreu.
Após ouvir atentamente a história, o sábio deduziu que faltou informação entre o poder e os demais segmentos do reino.
– Por que não utilizastes assessores de comunicação?! Intrigou-se o sábio.
– Creio que a tua sabedoria não é plena. Indignou-se o rei. Pois foram justamente esses os primeiros a questionar o meu governo.
*Nicolau Araújo,
Jornalista.