Em artigo no O POVO deste domingo (2), o psiquiatra Cleto B. Pontes critica a atenção à esquizofrenia no mundo moderno. Confira:
Segundo reportagem da revista Veja, cientistas brasileiros prometem dar o diagnóstico de esquizofrenia por meio de um aplicativo de informática avaliando a fala do indivíduo. A revista apresenta os seguintes números: dois milhões de brasileiros são esquizofrênicos, 40% não conseguem vida independente, 50% não recebem tratamento adequado e o mesmo percentual corre maior risco de suicídio em relação à população geral. O olhar do leitor, obviamente, se volta para os números alarmantes e por tabela se emociona diante do avanço tecnológico.
O Transtorno Esquizofrênico na Classificação Internacional das Doenças (CID-10) está caduca. Sob a responsabilidade da Organização Mundial de Saúde (OMS) há 30 anos, já deveria ter ser reformulada, o seu critério de diagnósticos e, consequentemente, o seu conceito. Em 1908, o suíço E. Bleuler chamou de psicose esquizofrênica em substituição ao conceito de demência precoce de seu colega alemão E. Kraepelin. Em 1927, em um congresso ocorrido em seu país, ele afirmou que o seu conceito não seria eterno e não ultrapassaria um século. Durante a Segunda Grande Guerra, Kurt Schneider, preocupado com os fornos crematórios nazistas do seu país, buscou reduzir o percentual de esquizofrênicos para 1% da população mundial. O número era uma estimativa que flutuava como nas bolsas de valores, dependendo do interesse de mercado. Por volta dos anos 70, século XX, os norte-americanos bateram o martelo: apenas 1% seria esquizofrênico e não mais, tudo por causa do fluxo migratório e do seu desinteresse ao assistencialismo que, certamente, recrudescerá no governo D. Trump.
O fim da Segunda Grande Guerra foi devastador para a economia europeia salvando, obviamente, setores como a da indústria farmacêutica cujo foco principal era curar ou amenizar a desgraça causada pela “esquizofrenia”, porque a preocupação maior era reduzir os gastos com os hospitais psiquiátricos altíssimos e com um pífio resultado, em outras palavras, a “indústria da loucura” como denominava T. Zsasz, comparada a outras indústrias na perspectiva capitalista, na qual o money supera qualquer virtude humana. É bem verdade que nós, psiquiatras, como gestores das instituições psiquiátricas não fomos competentes, nada comparável aos cardiologistas ou aos oncologistas. Incor e Hospital Sírio Libanês servem como exemplo da nossa tese. Por outro lado, querer resolver o sofrimento psíquico, dentre eles a esquizofrenia, propondo como aparato apenas tecnologia é tendencioso.
Ganha o Prêmio Nobel quem definir a esquizofrenia no mundo hodierno com 21 milhões de refugiados, guerras e corrupção em abundância. No Brasil, mais difícil é definir o seu percentual, quando o número de leitos psiquiátricos foi reduzido a praticamente zero e as clínicas para “recuperação de drogados” só aumentam, seguindo a lógica da drogadicção no País primeiro lugar no mundo no uso da cocaína, crack e alcoolismo. Tudo me parece patético, caótico e de valores muito questionáveis quando o entendimento sobre o ser humano é reduzido a mecanismos tecnológicos.