Com o título “O que aprendi com o movimento estudantil”, eis artigo do jornalista e sociólogo Demétrio Andrade. Ele aborda as ocupações de escolas e universidades, o que acabou obrigando a mídia a acompanhar essas manifestações contrárias ao Governo Temer. Confira:
O fenômeno da ocupação de várias escolas e universidades por estudantes em todo o Brasil contra a PEC 55 (antiga 241), as mudanças no ensino médio e o projeto Escola Sem Partido está gerando debates acalorados. Infelizmente, como é regra nos últimos anos, sobram maniqueísmos e argumentos rasos de parte a parte. É interessante, a ver meu, lançar luz sobre alguns pontos.
Em primeiro lugar, é preciso destacar a vitalidade do movimento estudantil, que praticamente obrigou a mídia a registrar suas manifestações, que passaram semanas sendo solenemente ignoradas pela imprensa. Com atestado de óbito avalizado por alguns, foi capaz de articular ações que envolveram milhares de jovens, com ajuda de uma boa dose de revolta gerada pelas projeções negativas dos possíveis impactos destas medidas para a educação.
Além disso, soa ridícula a associação destes protestos com partidos de esquerda, rotulando os atos como uma reação à derrota política sofrida no processo de impeachment. Eu perguntaria: e daí? Qual o problema? Qual a novidade? Partidos, à esquerda ou direita, existem para – pasmem – agir politicamente em qualquer ambiente: escolar, trabalhista, cultural ou empresarial, só para citar alguns. E se a esquerda, dada também como morta, em poucos meses produziu tal barulho, parabéns pra ela. Aliás, tradicionalmente, e em várias partes do mundo, são os ideais de esquerda, como igualdade e solidariedade, que movem jovens em ambientes escolares e acadêmicos.
É desonestidade intelectual, aliás, tentar deslegitimar as atuais ocupações com a justificativa de um possível “aparelhamento”, usando, ainda por cima, as manifestações contra Copa e a favor do impeachment como exemplo de “movimento cidadão espontâneo”, posto que teriam rejeitado a participação de políticos de qualquer ordem. Ora, o pato gigante assumidamente pago pela FIEC na avenida Paulista e a imensa e parcial cobertura dada pela imprensa – a ponto de convidar a população para as ocupar as vias públicas – deixam muito claro o nível de envolvimento da direita com o que houve nas ruas.
Em ambos os casos, diga-se de passagem, acho a interferência legítima e natural. A diferença, porém, é que a esquerda dá a cara a tapa. A direita, ao invés, quer passar a ideia de que “não interfere nos acontecimentos”, tal qual boa parte da imprensa que se vende como “imparcial”. Aliás, a direita, na ânsia de criminalizar ou desqualificar bandeiras e espaços ocupados pela esquerda, aponta o dedo para diversos problemas existentes no movimento estudantil: do uso de má-fé para cooptação ideológica até desvios de recursos. Isso existe e é inegável, mas não porque são “de esquerda”.
O que aprendi no movimento estudantil – e depois em outros momentos e ambientes pelos quais passei – é que em quaisquer outras instituições há pessoas íntegras e probas, bem como gatunos e espertalhões. Claro, aprendi a tentar identificá-las. Aprendi também que os verdadeiros líderes crescem, aparecem e se responsabilizam muito cedo por suas atitudes. Aprendi na marra – até porque nunca fui um militante exemplar, longe disso – a debater e a defender meus pontos de vista.
O preconceito em considerar estudantes como “massa de manobra” talvez parta do pressuposto que eles não possuem senso crítico, dada a pouca idade. Mas aprendi, justamente com o movimento estudantil, a ter convicções e a mantê-las, mesmo quando derrotado. Aprendi o real sentido da democracia, ao conviver com opiniões diferentes e acatar a decisão da maioria. Aprendi, enfim, a ver o mundo além de uma sala de aula ou de um muro de universidade, percebendo que a formação intelectual e profissional depende de amadurecimento social e político. Paciência com esta juventude. Eles estão nos reensinando a aprender.
*Demétrio Andrade,
Jornalista e sociólogo.