Em artigo no O POVO deste domingo, a professora de Filosofia da Unifor e integrante do Instituto Latino Americano de Estudos sobre Direito, Política e Democracia, Sandra Helena de Souza, avalia a violência policial contra manifestantes e os mais pobres. Confira:
Em novembro de 2013, realizei com alun@s um amplo seminário que reuniu Judiciário, Ministério Público, jornalistas, militantes políticos e a Polícia Militar do Ceará, na pessoa de seu comandante-geral a época, coronel Lauro Prado. O tema: Brasil nas Ruas – Mostra tua Democracia.
O Brasil havia sido sacudido por gigantescas manifestações naquele junho histórico, pulverizadas país afora, a irrupção inicial – a reivindicação por melhores serviços públicos e participação política – arrefecida, mas mantendo-se forte acento oposicionista galvanizado nas já célebres palavras de ordem ‘não vai ter Copa’ e ‘sem partido’.
Aquelas jornadas evidenciaram novos agentes e cenas – o midiativismo, a tática black bloc – e um velho conhecido – a violência policial. A presença do comandante da polícia entre nós foi saudada por um militante da velha guarda, exilado durante a última ditadura como um sinal da profunda diferença entre o presente (2013) e o passado de sua geração. À calorosa discussão sobre tática black bloc (muito distante da unanimidade contra ou a favor) e à pressão, pela irrequieta juventude presente quanto aos abusos e truculência gratuitas das forças policiais, fartamente documentadas pelas câmeras dos celulares, o comandante deu a resposta operacional padrão: as forças policiais agem cumprindo ordens dos mandatários que os senhores elegeram, estamos em regime democrático. Xeque-mate.
7 de setembro de 2016. A polícia militar ataca furiosamente na avenida Beira Mar transeuntes desarmados e pacíficos ao fim de uma grande manifestação que transcorrera tranquila e festiva por democracia e #foratemer. Tudo devidamente registrado pelas câmeras. Advogados, defensores públicos, ambulantes, manifestantes indistintamente agredidos. Diante da enorme repercussão negativa, o governador, do PT, vem a público com a resposta operacional padrão: “Qualquer ação que possa ser extrapolada, nós vamos apurar”. Mas, se o ato foi o próprio excesso, fica então clara de quem é a responsabilidade pela truculência das forças policiais: os cães são ferozes, mas fiéis ao dono. Sério, governador?
A institucionalidade vigente confere ao comandante-em-chefe, mas também ao Ministério Público e Controladoria, poder de averiguação e punição dos arbítrios. Essa é uma das maiores farsas de nossa vida política. Até os gatos sabem que as polícias violentam dia e noite os mais pobres. A prática da violência é televisionada, lucrativa, nacionalmente roteirizada, fartamente documentada, expandindo-se às guardas municipais – vide o episódio Gentilândia/Lions numa mesma noite – autônoma frente ao espectro político e solenemente ignorada por quem de direito. Corvos que criamos.
A violência policial é seletiva e com potencial de expansão diante do Estado Policial que se descortina, manifestando-se em todos os níveis agora que não mais vivemos em normalidade democrática: a polícia federal está aí para não me deixar enganar.
Ok, se estou delirando, é simples, amig@ leitor: exija-se republicanamente apuração e punição dos ‘excessos’ do dia 7. Com nome e patente sonegadas na ação. Você acredita? Eu não.