Com o título “Namoro, a ciência dos principiantes – Para Luciana”, eis artigo do jornalista e sociólogo Demétrio Andrade. Ele destaca os apaixonados que não são nada apaixonados por datas e que, a cada dia, renovam o namoro. Confira:
O título acima, evidentemente, é uma alusão ao vindouro Dia dos Namorados. Mas, principalmente, aos namorados que não precisam de dia algum. Explico melhor: a grande virtude das relações duradouras, no meu modesto ponto de vista, é continuar um namoro. Não importa se casado, junto, amancebado ou quaisquer outros adjetivos que qualifiquem seu vínculo com o outro. Vencer o passar dos dias com paixão é tarefa diária, competindo diretamente com louça na pia, roupa por lavar, grito de menino, supermercado, contas e afins.
É como um sapato novo. Você é atraído pela beleza, experimenta, verifica que cabe perfeitamente, acha o máximo mostrar aos outros. Aos poucos, a novidade é substituída pelo conforto que só os calçados mais velhos, adaptados à forma dos seus pés, podem lhe dar. O diabo é que, muitas vezes, as peças já estão gastas demais para seguir adiante. O apelo do novo, como diria Belchior, sempre vem, por mais ajustada que esteja a sintonia entre pés e sapatos.
Novidades se apresentam ao nosso redor desde que o mundo é mundo. Mas agora, com a avalanche proporcionada pelos múltiplos canais de informação e entretenimento, elas não só existem: polulam, prendem, gritam no seu ouvido, se mostram explicitamente. E num intervalo de tempo cada vez mais curto.
Não se desespere, porém, você que ama, com esta dicotomia entre perenidade e novidade. Ela existe desde sempre. Aposto que você um dia, no começo do namoro, deu doces, flores e poesias. Nada mais passageiro: flores murcham, papéis rasgam e doces estragam com facilidade, por melhor que seja a geladeira. Porém, nada é mais permanente que o gesto de mostrar o afeto através do que é efêmero. Há uma relação direta entre a constância das ações e a reafirmação do amor e do desejo.
Nada é mais passageiro que nossa própria vida. Sempre haverá crises que abalarão convicções e carinhos. O medo da perda e o ciúme, aliados ao sentimento de posse, perturbam o juízo de quem ama. Mas o que seria nossa existência sem problemas? Quão chata seria nossa vida sem riscos? Sem surpresas? Sem angústias? Como crescer sem dor? Com as relações não é diferente: alegrias e tristezas amalgamam caminhos, constroem atalhos, alicerçam escadas, e não para ambos, pelo menos para um dos dois. Tanto mais o mar revolto, mais se admira a beleza do equilíbrio de um surfista.
O namoro, esta entidade tão querida, o é justamente por isso: por ser a lembrança do princípio, do despertar, da conquista, do nervosismo, do frio na espinha, do pisar em ovos, do desconforto da ansiedade superado pela descoberta. É a ciência dos principiantes, mesmo os que já passeiam no mesmo barco há tempos. Mas sabem se guiar com destemor por mares nunca dantes percorridos. Amantes que aprenderam a viver “assim como era no princípio, agora e sempre”.
*Demétrio Andrade
Jornalista e sociólogo.