Do Instituto Maria da Penha, este Blog recebeu este artigo – “Em briga de marido e mulher se mete a colher sim!” Fair Play dentro e fora dos campos!, de sua dirigente, Maria da Penha. Ela aborda o caso do jogador Wesley, do time do Ceará, acusado de agressão contra sua namorada grávida. Ela tece algumas considerações. Confira:
Causou desconforto e inquietação em alguns segmentos da sociedade, sobretudo nos que estão envolvidos no enfrentamento a violência em suas múltiplas formas, em um mundo desconstruído pelo desrespeito, injustiças e atrocidades, o posicionamento do presidente do Ceará Sporting Club, de grande torcida, em uma de suas últimas entrevistas a programas esportivos locais, sobre o caso de um jogador acusado de, entre outros tipos de violência elencados no art.7o da Lei 11.340/06 – Lei Maria da Penha, ter cometido estupro contra sua namorada. A denúncia foi feita e está entregue à Justiça, mas o objeto da perplexidade foi a frase citada pelo mandatário do clube na intenção de resumir o ocorrido em “entre marido e mulher ninguém mete a colher”, parecendo uma tentativa de minimizar o acontecido.
Desde que o Estado brasileiro decidiu tipificar a violência contra a mulher como crime é consenso entre os que atuam de forma direta ou indireta nesse mister, a necessidade de desconstrução de frases dessa natureza, pois em sendo verdade, que serventia teria a Lei Maria da Penha e todos os mecanismos de combate a violência contra a mulher? Quantas mortes foram evitadas apenas com a adoção de medidas protetivas? Caso não houvesse intervenção dessa rede composta pelo Estado,ONG’s e sociedade civil, quantas mulheres estariam mortas?
A violência doméstica não é exógena, o próprio vocábulo “doméstico” remete a seu caráter endógeno. Como uma partícula errática ela segue de dentro do lar para a sociedade e, infelizmente, é muito igualitária. Contempla todas as classes sociais, independente de raça, filosofias, profissões ou nacionalidades. É um fenômeno global e a realidade fática tem demonstrado de forma exaustiva que não é episódico, ou seja, se repete com frequência depois que acontece pela primeira vez e as mulheres, no mais das vezes, têm vergonha e medo de admitir e denunciar. Depois da Lei Maria da Penha é bom que se esclareça que a violência não aumentou como pensam alguns.
Na verdade, as mulheres tiveram mais esclarecimento e as que conseguiram se libertar do ciclo da violência optaram por denunciar e estas estatísticas têm dado visibilidade ao problema. É inadmissível que nos dias atuais a violência contra a mulher, que se converteu em um problema de saúde pública, seja reduzida a “briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. A repetição desse mantra, também provoca a reflexão de que o Estado precisa ser mais enfático no processo de educação e esclarecimentos para a efetivação de tal combate, pois falta a ele a força pedagógica para atingir todos os segmentos, tratando sobre a responsabilidade de cada um de nós na propagação deste fenômeno, bem como sobre sua gravidade que somente parece existir quando a vítima é alguém da família. Falta conhecimento, sensibilidade, respeito.
O artigo primeiro da Constituição Federal elenca como um dos fundamentos da República ” a dignidade da pessoa humana” (‘núcleo mínimo de direitos e garantias que devem ser asseguradas ao ser humano”). O que talvez tenha faltado ao delegado que atendeu, há alguns dias, a vítima de estupro coletivo, onde todas e todos fomos violentados. O caso do jogador veio a público no momento em que vem à tona o estupro coletivo de uma mulher, que pode ser considerado “comum” para algum homem machista que, privado dos sentidos, nunca chegará a compreender a fealdade desta cultura em que vive envolto. O machista é o mesmo que, ao se deparar com um caso de violência contra a mulher, diz “o que foi que ela fez para merecer isso… “.
A sociedade ainda está indignada com aquele fato do estupro coletivo e quantos não acontecem por aí e ficam no anonimato… Voltando ao ponto inicial, infelizmente, o posicionamento do presidente do clube não deixa de respingar na imagem deste time que acabou de completar 102 anos e, ao que parece, está em descompasso com os avanços significativos em busca de uma sociedade mais justa e cidadã. O mencionado art. 1o da Constituição também consagra como fundamento da República no inciso V “o pluralismo político” numa referência a pluralidade de ideias e opiniões. Portanto, todos têm direito de expressar suas opiniões, mas o que causou estranheza foi que ele se expressou na qualidade de presidente de um clube de massa.
Seu pronunciamento não atinge apenas a imensa nação de seus aficionados, mas também a totalidade de ouvintes e telespectadores. Cremos que alguém com o currículo do presidente do clube deve ter feito menção a tal adágio por equívoco, pois sendo uma pessoa pública, formadora de opinião, certamente deve ser cercado de uma boa assessoria, evitando situações semelhantes, que além de politicamente incorretas tentam, mesmo sem intenção, levar por terra todo o esforço que vem sendo feito pela sociedade como um todo para extirpar esse mal.
Neste momento, alguém que amamos muito pode estar sofrendo algum tipo de violência – não apenas sexual, física, moral, patrimonial e ou psicológica, que representam um rol apenas exemplificativo – sem coragem de externar para outrem. Elas precisam muito de ajuda! Como diz o filósofo “Para esta minha dor não foram feitas palavras que expressem e nem mesmo sentimento que o sinta como tal. Dor que transcende o verbo e o sentimento. Criando um sentimento para si do qual o horror é apenas a aparência pensável e sensível do exterior”. A situação de violência contra a mulher parece uma dor infinda, mas pode ser evitada e ou modificada com o compromisso do Estado, sociedade, ONG’s, atores sociais, imprensa, formadores de opinião e pessoas comuns.
Contamos com todas e todos! Fair Play dentro e fora dos campos!
Fortaleza, 6 de junho de 2016.
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