Com o título “Como a imprensa apoia um golpe?”, eis artigo do jornalista e sociólogo Demétrio Andrade. Confira e tire suas conclusões.
No dia 18 de maio, um artigo publicado na Folha de São Paulo, de autoria de Mário Vitor Santos, ex-ombudsman do veículo, pôs a nu a lamentável contribuição da mídia tradicional para o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. Ele foi muito claro: “jornalismo deve informar os fatos de pontos de vista diferentes e contrários, encarnar ideias em disputa, canalizar o entrechoque de versões, sublimar antagonismos”.
Porém, o que se viu foi o predomínio de uma visão hegemônica de classe, amplificada em múltiplos canais, que tratou o governo como único culpado de todos, ou pelo menos a maioria, dos casos de corrupção. Mais do que isso: o debate desequilibrado fortaleceu teses da oposição, a ponto de a presidenta afastada – por um motivo banal – ser responsabilizada pela crise econômica, sem que se enxergasse a má vontade do Congresso, principal promotor da inércia que se abateu sobre o país, ao se negar, peremptoriamente, a votar quaisquer que fossem as medidas necessárias para que os processos voltassem a andar normalmente.
Diz mais o autor, no artigo intitulado “Apocalipse do jornalismo”: “virou pó o empenho de ao menos uma geração de profissionais para que o jornalismo, depois do infame apoio majoritário ao golpe de 1964, viesse a seguir melhores padrões”. De fato, a democracia deixou de ser um valor inatacável para os profissionais da notícia que – em sua maioria – trataram de reproduzir a linha editorial e ideológica das empresas, sem preservar a ética da notícia. O que é pior: no afã de destruir a reputação alheia, a imprensa pôs em xeque sua própria credibilidade.
Como bem lembra Mário Vitor Santos, “normas e técnicas jornalísticas não são meros enfeites. (…) São peças essenciais para a sobrevivência da democracia. Na Lava Jato, o que deveria motivar uma custosa operação de checagem independente e edição autônoma derivou numa repetição inglória dos piores momentos do jornalismo do passado”. Não se apurou adequadamente. Não se investigou de forma autônoma. Não se ouviu os dois – ou mais – lados. Não se desconfiou das fontes. Objetividade virou artigo de luxo. A mídia simplesmente serviu de linha de transmissão do que era seletivamente “vazado” por “investigadores” que nada tinham de imparciais.
A visão política rebaixada destes profissionais – que provavelmente não tinham consciência do ataque à democracia proporcionado por eles mesmos – abusou da especulação desenfreada, dos furos sem propriedade e de homéricos erros, com fatos passando ao largo de qualquer checagem. Interessante notar como vários profissionais se deixaram levar pelo senso comum, pelos ódios de classe, numa esquizofrenia coletiva intolerável.
Pessoas sem preparo podem até se deixar levar por este conto do vigário. Mas quem trabalha com informação não tem este direito. À exceção dos vendidos e ideologicamente comprometidos com a visão conservadora do mundo, não se dá ao jornalista o direito à ignorância. Sua função é sempre saber mais e melhor. Afinal, não se recorre ao jornalismo para saber de fofocas. Para isso, existem bons bares em várias esquinas.
*Demétrio Andrade,
Jornalista e sociólogo.