Com o título “Pai: um aprendiz inacabado”, eis artigo do jornalista e sociólogo Demétrio Andrade. Ele conta da experiência de, mesmo sendo pai, ter bom aprendizado com os filhos. Confira:
Sou pai de três filhos. Neste período de fim e começo de ano, todos eles fazem aniversário. Geralmente, sou tomado de felicidade e também por inúmeras reflexões. Desta feita, me toquei, por conta da diferença de idade entre os rebentos, que passamos – enquanto pais – por diversas fases de um inesgotável aprendizado.
Sem a pretensão de adotar aqui qualquer paradigma pedagógico, já que sequer tenho leitura sobre, creio que do nascimento até a chegada à escola vivemos um período que vou denominar de “Fase do Sim”. É quando a relação de dependência se faz, evidentemente, mais forte. Nosso cuidado se redobra. É viver em função da criança, 24 horas por dia, mudando nossos hábitos, horários e, o que é mais grave, formas de ver o mundo. Com raras exceções, temos que dar, àquela pequena criatura, sucessivas afirmações a partir de suas necessidades.
Depois, vem a “Fase do Não”. Acho que momento em que a criança começa a usar o dom de andar para explorar seu universo até uns dez anos. É o momento de deixar clara nossa autoridade, em meio à busca por autonomia corporal. Os pequenos pedem, imploram por um não bem dado, testando nossos limites e os deles. Alguns pais erram, na minha opinião, ou por cederem demais ou por exagerarem nas negativas. Porém, é preciso deixar claro que dizer “não” é uma arte tão nobre quanto dizer “sim”. Desenvolver esta sensibilidade é tarefa para poucos. Por várias vezes, tenho de confessar, me encontrei perdido, sem saber ao certo qual direção tomar na bússola das decisões.
Depois, entrando na tal da adolescência, vem um tempo que vou chamar de “Fase da Argumentação”. Não basta dizer sim ou não. Tem que explicar o porquê. Convencer. Aparar arestas. É engraçado: uma negativa pode virar um drama, uma discussão banal transforma-se numa batalha familiar, os egos recém-formados teimam em aparecer. É difícil manter-se como referência. A política das relações entra em campo. Mediações do pai com a mãe e vice-versa provocadas por aquele ser que já usa seu jogo de cintura para defender os próprios interesses. Não é fácil.
A partir dos 18, a tal juventude. Batizei este estágio de “Fase do Esquecimento”. A sensação que dá, algumas vezes, é que eles esqueceram tudo o que foi ensinado. Mais: parece que eles esquecem até da nossa existência. Neste ponto da caminhada, compreendemos na prática a sábia frase que alerta que “criamos os filhos para o mundo”. E o mundo vai abrir janelas sobre as quais sequer sonhamos. É a pesada beleza do inesperado batendo a porta na nossa digníssima cara.
E eu vou parar por aqui porque o meu mais velho tem 19. Sinto que ainda vou passar por diversas outras fases. Na verdade, espero com fé vivê-las. Porque, em cada uma, é possível sentir o milagre da existência se perpetuando em novos significados. Os filhos vão delineado passos e mostrando quem fomos e no que nos tornamos, com todas as falhas e qualidades. Aí é que a gente entende que, ao invés de orientá-los, eles é que nos estão ensinando. E que é bom demais aprender pra sempre.
* Demétrio Andrade,
Jornalista e sociólogo.