
Em artigo enviado ao Blog, o estrategista político Fabner Utida avalia o programa do PT, que foi ao ar na quinta-feira (6). Confira:
No dia 6 de agosto, foi ao ar mais um programa de televisão do PT. Me pareceram as seguintes teses centrais:
a) Uma crise política é muito mais grave do que uma crise econômica;
b) O Brasil, mesmo com a crise econômica, vive hoje uma realidade muito melhor do que na época dos governos do PSDB.
Racionalmente falando e fazendo um imenso esforço de deixar de lado as emoções, vamos acabar percebendo que as duas teses são, matematicamente falando, verdadeiras.
Porém, o que mais me chamou a atenção foi o fato de que, aparentemente, o PT e o Governo Federal talvez não estejam levando em consideração a possibilidade de que são eles mesmos que estão causando a crise política e a grave decepção que o Brasil, majoritariamente, vive hoje.
1. A Crise Política por Falta de Liderança
Acredito que foi o próprio governo que aceitou entrar na crise política ao perder a prerrogativa da liderança.
O governo perdeu o seu papel de líder de fato, ao ceder de forma exagerada, ao pior dos mundos do fisiologismo, agravando o jogo do “toma lá dá cá”.
Na busca de conquistar (ou não seria “comprar”?) apoio no Congresso, o governo não percebeu que acabou mandando a mensagem de que aceitava ser liderado pela chantagem e pelo achaque. Não percebendo que os fisiologistas são insaciáveis, acabou sucumbindo ao caminho do poço sem fundo.
2. A Crise da Traição
Neste momento, lhe convido a pensar a seguinte pergunta: “o que faria com que uma pessoa que te ama profundamente hoje, pudesse lhe odiar amanhã? O que faz uma pessoa sair do amor ao ódio na velocidade da luz?” A resposta é relativamente simples: o sentimento de ter sido traída.
Me parece ser esta a raiz da realmente grave crise de credibilidade que o PT vive hoje: a crise emocional oriunda do sentimento de traição (que é também política).
Me parece sensato ponderar a possibilidade de existirem dois grandes pilares do sentimento de traição:
a) Traição da ética: o PT chegou ao poder sustentado por um simbolismo de exercer o poder por um novo prisma de valores morais e éticos. É por esta razão que os casos de corrupção afetam muito mais o PT do que os outros partidos. Os outros partidos não foram construídos sustentados no pilar da ética, o PT sim.
b) Traição dos mais carentes: na campanha de 2014, foi a própria Dilma que mandou a mensagem, especialmente cunhada para os trabalhadores mais carentes, de que não iria mexer nos seus direitos, que o preço da energia elétrica não iria disparar, da mesma forma que os juros e os impostos não iriam subir. Mas o governo fez exatamente o oposto. Se quisermos entender o fenômeno de como alguém com 67% de aprovação vai a 70% de desaprovação em menos de um ano, basta entender o potencial do fator “traição”.
Aqui também percebemos a fragilidade da liderança: Dilma na campanha deixou-se liderar pelos desejos das qualitativas (dizer o que o povo quer ouvir) e pelas diretrizes da marketagem eleitoreira.
Um grande líder convence os seus liderados sobre o que realmente é o caminho certo, enquanto um líder fraco apenas busca agradar dizendo o que os outros querem ouvir. Já imaginou educar nossos filhos dizendo a eles apenas o que eles gostariam de ouvir?
3. O discurso do programa do PT pode agravar a crise.
O programa de televisão do PT, apesar de bem produzido com imagens e textos primorosos, pode ser uma linda peça de publicidade mas um desastre de relacionamento e de convencimento político.
Quando uma pessoa se sente traída, me parece correto perceber que não existirá diálogo sem que exista antes uma retratação: um verdadeiro e autêntico pedido de desculpas ou uma explicação sensata sobre o que causou tamanho equívoco de compromisso.
O perdão ou a explicação, em ambientes com sentimento de traição, são passos fundamentais para o restabelecimento das bases de um relacionamento.
Imagine a seguinte situação: a mulher descobre que o marido, mesmo com boa vontade, gastou todo o dinheiro da família. Além disso, ela também descobre que seu marido lhe passou um gigantesco chifre.
Aí o marido chega para a esposa com o seguinte discurso: “mas amor, olha aqui as fotos das nossas viagens, olha a casa que compramos, perceba os nossos filhos lindos, os nossos carros, olha as nossas conquistas. Antes do nosso casamento a nossa vida era muito pior do que hoje. O nosso dinheiro acabou e você se sente traída, mas o passado era muito pior do que o presente. Ficarmos brigando é péssimo para o nosso futuro”.
Será que alguém realmente acredita ser esta a melhor estratégia de discurso para recompor a relação de um casal quebrado financeiramente e com o sentimento de traição pairando sobre suas cabeças?
Comparativamente, acredito que foi exatamente este discurso que o programa do PT tentou fazer.
Qualquer pessoa que conheça minimamente comportamentos e sentimentos humanos sabe que um discurso destes, além de ter baixíssima chance de sucesso, ainda pode provocar exatamente um efeito contrário: agravar a crise.