Com o título “Reacionarismo que emerge das entranhas da sociedade brasileira remonta à Idade Média”, eis artigo do jornalista, radialista e professor Francisco Bezerra. Confira:
“Um radical é alguém que vai longe demais; um conservador é alguém que não vai bastante longe; um reacionário é alguém que não anda.” (Thomas Wilson)
Que o Brasil é um país conservador não é nenhuma novidade. Mas é nas crises políticas que o conservadorismo dá lugar a algo pior do que ele próprio: o reacionarismo. Em tempos de irracionalidade onde a besta anda a solta, parece incrível, mas é verdade. Reparem no relato do jornalista Bernardo Mello Franco na Folha de São Paulo esta semana, quando esteve numa igreja batista na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, onde o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato, falou para cerca de 200 pessoas: “Antes de falar, o procurador, que tem mestrado em Harvard, foi apresentado como ‘servo’ e ‘irmão.’ De terno e gravata, discursou do púlpito, citou a Bíblia e disse acreditar que Deus colabora com a Lava Jato”.
O jornalista cita um diálogo entre Dallagnol e os fiéis: “Dentro da minha cosmovisão cristã, eu acredito que existe uma janela de oportunidade que Deus está dando para mudanças”, afirmou. “Amém”, respondeu a plateia. “É isso aí. Deus está respondendo”, devolveu Dallagnol.
O procurador também disse: “se nós queremos mudar o sistema, precisamos orar, agir e apoiar medidas contra a corrupção”, disse, antes de acrescentar: “O cristão é aquele que acredita em mudanças quando ninguém mais acredita. Nós acreditamos porque vivemos na expectativa do poder de Deus”. Em seguida, Dallagnol pediu apoio para um abaixo-assinado favorável a um projeto de lei do Ministério Público que pede mudanças na lei contra corrupção. Ao final conclamou os fieis a engrossarem as fileiras das ondas de protesto contra a roubalheira e o governo.
A que nível chegamos senhoras e senhores. As igrejas neopentecostais já são o próprio templo do atraso, por defendem ideias medievalescas. São essas igrejas que estão invadindo o Congresso Nacional e impondo uma pauta das mais reacionárias no Parlamento. E os caras, sem generalização, não são bons apenas em negócios políticos ou religiosos, não. Geralmente estes senhores que vendem o paraíso na terra são excelentes na arte de engordar suas contas financeiras para o desfrute que a vida mundana na terra oferece.
Neste cenário medieval, a ultradireita tupiniquim está puxando mais um dia nacional de protesto contra o governo Dilma e a favor do impeachment. As cenas truculentas devem se repetir. A intolerância é o ponto alto das manifestações. A turba começa com discurso de fundo moral até aflorar todo tipo de preconceito: religioso, sexual, social e racial. Quem orquestra tudo é a sempre atuante grande mídia.
Karl Marx apregoou num certo tempo de sua vida e obra científica: “A história se repete primeiro como tragédia, depois como farsa.” Está no livro O 18 Brumário, de Luís Bonaparte. Em 1964, o reacionarismo brasileiro produziu as marchas da família com Deus pela liberdade e deu no que deu. Desaguamos numa ditadura obscurantista que jogou o país no mais profundo atraso e ignomínia durante duas décadas.
O reacionarismo de direita sempre representou retrocesso no processo civilizatório nacional. As ditaduras (Estado Novo e Militar), além das violações dos direitos humanos, acarretaram prejuízos à inteligência do país. Nestes períodos, as universidades são cerceadas, a imprensa livre censurada e a sociedade civil amordaçada. No mundo, o reacionarismo já produziu o escravismo, o nazismo, o regime de segregação racial nos Estados Unidos e o Apartheid na África do Sul.
As manifestações raivosas, hidrófobas contra o PT, Lula e Dilma são uma clara demonstração do ódio alimentado por setores fascistas de nossa sociedade. Não me lembro de nos anos de 1990, a década em que os governos neoliberais proliferaram na América Latina, e muito especial no Brasil quando fomos governados pelos tucanos de São Paulo, manifestações preconceituosas ou fundamentalistas contra o PSDB. Mesmo que durante os dois mandatos de FHC o país tenha quebrado três vezes, mesmo que as empresas estatais, patrimônio do povo brasileiro, tenham sido alienadas a preço de banana. Patrimônio construído ao longo de séculos de história.
Num caldo de cultura que mistura política com religião, preconceito com intolerância e fascismo com oportunismo não se assustem os senhores se nas manifestações do dia 16 destacarem-se cartazes exigindo virgindade pré-nupcial. Seria a história de 64 se repetindo em 2015 como farsa.