Da Coluna Menu Político, no O POVO deste domingo (31), pelo jornalista Plínio Bortolotti:
Gay Talese, um dos papas do “jornalismo literário” americano, no livro Fama e anonimato (Fame and obscurity, no original), traça o perfil de uma plêiade de anônimos e famosos, típicos de Nova York. Um dos “contos de não ficção”, como os anuncia a orelha do livro, é “Sr. Má Notícia”, no qual Talese perfila Alden Whitman, que era o redator dos obituários do jornal The New York Times.
(Se o leitor não sabe, os grandes jornais e agências de notícias costumam manter um arquivo com a biografia atualizada de pessoas que estão próximas – ou nem tanto, dependendo do caso – de prestar contas conta com o Todo Poderoso, de modo a ter o material pronto quando o sujeito “passar dessa para a melhor”, ou pior.)
Quando Talese, que também trabalhava no jornal, publicou a primeira edição do livro (1960), o NYT tinha dois mil obituários preparados com antecedência, e o responsável por mantê-los atualizados era Whtiman, um sujeito que gostava do que fazia, dedicando-se com afinco ao mister por “puro prazer”.
“(Alden) confessa que, depois de escrever um belo obituário com a pessoa ainda viva, seu orgulho de redator é tão grande, que mal consegue esperar que a pessoa caia morta para poder ver sua obra-prima impressa”, escreve Talese.
Lembrei-me desse texto a propósito da participação do jornalista Carlos Castilho na Entrevista Aberta, no Espaço O POVO de Cultura & Arte, ocorrida este mês. Castilho falou sobre a “Síndrome da notícia ruim”, que acomete a imprensa brasileira, título de um artigo publicado por ele no Observatório da Imprensa.
Devido à “avalancha” de informações econômicas pessimistas e à rotina de notícias sobres crimes, Castilho alerta:
“O que se nota atualmente é que uma parcela considerável do público começa a descrer do que a imprensa publica por associar as notícias ruins a uma estratégia política e ideológica. A outra parte da clientela de jornais, revistas, telejornais e redes sociais vincula-se a esses veículos não por sua missão informativa, mas porque oferecem abrigo e conforto para posicionamentos ideológicos. Ambos os casos deveriam preocupar os executivos da indústria jornalística porque eles não garantem a sustentabilidade futura das empresas que dirigem”.
É claro que não se trata de olhar o mundo “com lentes cor-de-rosa”, como adverte o próprio Castilho, mas de lembrar que a realidade é mais ampla, mais diversificada e mais complexa, nela existindo, por óbvio, coisas boas e más – e, entre os dois extremos, uma gradação infinita. Portanto, os meios de comunicação deveriam ter a preocupação em equilibrar um pouco mais as coisas, libertando-se da simplificação, que transforma tudo em uma luta do bem contra o mal.
Mas o que tem a ver o trecho do livro de Talese, citado acima, com a síndrome brasileira? É que, veja você, caro leitor, vivemos em uma época em que algumas publicações e colunistas levam a obsessão pela notícia ruim (em relação a determinados temas) a tal limite, que a verdade passou a ser mero detalhe; isto é, eles escrevem uma peça de ficção ou despejam os seus preconceitos no papel impresso, no écran dos computadores, ou os lançam nas ondas do rádio ou da TV e, como Alden – que torcia pela morte de seus personagens para ver impressa a sua “obra-prima” -, esses “jornalistas” ficam esperando que a realidade autentique seus desejos. Se isso não acontecer, pior para a realidade.