Com o título “A Advocacia é essencial à Justiça”, eis artigo de José Moaceny Félix Rodrigues Filho, advogado, procurador federal e professor. Ele defende a inclusão nas carreiras jurídicas do País do advogado da União e do procurador federal. Confira:
Muitos confundem justiça com Judiciário, como que a justiça fosse sinonímia do Poder Judiciário, ou mesmo, uma realidade que só pudesse ser experimentada, inevitavelmente,por ele ou, exclusivamente, por meio dele.
Talvez o senso comum, a informação superficial ou, na visão de outros, a inocente ignorância generalizada, tenha contribuído para isso, provocando a figura linguística que substitui a realidade pela coisa, quando, em verdade, são ‘coisas’ distintas entre si.
A justiça, como virtude completa, representada na disposição interior de fazer o justo, na teoria de ARISTÓTELES, é tão grandiosa que “nem Vesper nem a estrela-d’alva são tão maravilhosas.” In Ética a Nicocamo, Martin Claret, sp, 2002.
Assim, dentre as tentativas de definir justiça (corretiva, distributiva etc.), mesmo dentre aquelas concepções que utilizam o efeito para indicar a causa, podemos extrair um ponto de aproximação, o que nos autoriza a dizer que Justiça é, antes de tudo, um valor, isto é, um bem imaterial que se traduz na sensação de que “as coisas foram ajustadas” e que, portanto, se pode usufruir de uma certa paz. É isso mesmo, a paz é fruto da justiça, já dizia o profeta. (Isaías 32, 17)
Em sentido amplo, todos buscamos, podemos e devemos realizar a justiça, independentemente de uma manifestação oficial ou estatal a respeito.
De modo mais específico, ultrapassando o período da vingança privada, em que ser justo ainda era poder utilizar a lei do mais forte, realizar a justiça categorizou-se na externação de uma decisão de um órgão do Estado que venha a resolver um litígio qualquer, carecendo, portanto, de uma demanda e de uma, via de regra, pretensão resistida.
De uma forma ou de outra, já é perceptível que o caminho percorrido, para se alcançar esse ideal, é construído com a participação de vários personagens, consubstanciando, dessa forma, um autêntico diálogo, em vez de um simplista monólogo.
Nossa Constituição Federal de 1988, curiosamente, dentro do título IV, que trata da organização dos poderes, reservou o capitulo IV, para as assim chamadas funções essenciais à Justiça, ou seja, o legislador constituinte originário, após descrever o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário, destacou, topicamente, no texto magno as denominadas funções essências à justiça.
Quais são, por assim dizer, as citadas funções essenciais à justiça? São elas: o Ministério Público (arts. 127 ao 130), a Advocacia (pública e liberal – arts. 131 a 133) e a Defensoria Pública (arts. 134 e 135).
Tais funções não são peças acessórias no sistema de justiça. Não são também auxiliares da justiça, mas sim participantes indispensáveis na consecução da árdua tarefa da efetivação do justo e, por isso, referidos, na redação constitucional, como essenciais.
Em relação a advocacia, o artigo 133 da CF diz, categoricamente, que “o advogado é indispensável à administração da justiça…”, portanto, a atividade do advogado, quer público ou privado, nos termos preconizados pela própria constituição, guarda em seu mister a própria essência da justiça (função essencial – essencial é o que não pode faltar, sob pena de desnaturação daquilo que deve ser) e a indispensabilidade de seu múnus, para que a justiça ocorra. (HC 99.330, tel. Min. Eros Grau, seg. Turma, 2010. e RHC 104.270, rel. Celso de Mello, seg, Turma, 2011)
Dito isso, o desenho jurídico-constitucional, acima apresentado, não foi por acaso nem, muito menos, é ausente de significado, ao contrário, além de representar uma nova forma de ver o Estado convivendo com a clássica tripartição de poderes, indica também a força normativa que deve conformar toda a atuação legislativa que lhe for correlata.
Noutra palavras, não existe justiça somente com o poder judiciário, vale dizer, o Poder Judiciário não é o único e exclusivo dispensador da justiça, enquanto bem da vida, mesmo tendo tal tarefa como objetivo primordial e razão de ser de seu trabalho, contando, para tanto, com a presença e participação inexorável de, pelo menos, um desses atores processuais, em cada caso particular, na fundamental tarefa social de dizer o direito (“iuris dictio”) e efetivar a tão sonhada justiça.
Com isso, a realização da justiça, como fruto de um processo institucionalizado, desponta, repita-se à exaustão, com o protagonismo daqueles que exercem as funções essenciais à justiça, concorrendo estes, enfim, para que o debate jurídico, com cada qual a seu estilo e na sua missão específica, possa ter o justo deslinde no caso concreto, sem os quais, tal fim colimado não é atingido.
* José Moaceny Félix Rodrigues Filho
Advogado, Procurador Federal e professor.