
Com om título “A falsa vitória da desfaçatez”, eis artigo de Celso Sakuraba, diretor-presidente da Ciclovida – Associação dos Ciclistas Urbanos de Fortaleza e Mestre em Ciências Jurídico-Empresariais pela Universidade de Coimbra. Ele rebate colocações feita, também em artigo, pelo professor João Arruda, assessor municipal, relacionado aos novos viadutos da cidade. Confira:
Em artigo enviado neste Blog, o professor João Arruda, assessor municipal, declara-se contemplado pelos viadutos do Cocó “como cidadão fortalezense”, demonstrando-se deslumbrado perante as maravilhas da gestão do Executivo Municipal. A Prefeitura de Fortaleza melhor cumpriria seu papel emitindo uma nota sobre os benefícios de tal obra, ao invés de encenar um falso deslumbramento através de um assessor do Prefeito.
A desfaçatez, porém, caracteriza a atuação municipal desde o início dos debates sobre os viadutos do Cocó – debates que, obviamente, tiveram que ser promovidos pela própria Sociedade Civil, diante da inexistência de abertura ao diálogo por parte da Prefeitura.
Respeito as opiniões contrárias – diferentemente do assessor do Prefeito, que, demonstrando pouco apreço às divergências que caracteriza nossa democracia, caracterizou os cidadãos e os profissionais do Ministério Público que se insurgiram contra as ilegalidades da obra como “irracionais” e “ressentidos”. Difícil mesmo é engolir que a Prefeitura de Fortaleza, com todo o seu corpo de profissionais, acredite nos seus próprios argumentos.
Não acredita. Os viadutos do Cocó criaram uma falsa polarização entre governistas e oposicionistas. Tornou-se uma quebra de braço, na qual os argumentos deixaram de ter valor, para dar lugar à necessidade de vencer. A cultura política autoritária de nosso Poder Público não permitiria ao Prefeito Roberto Cláudio convencer-se dos argumentos levantados pela Sociedade Civil sem que isso aparentasse uma derrota política. E é por isso que não aconteceu, por aqui, o mesmo que aconteceu à mesma época em
Pernambuco, onde o então governador Eduardo Campos desistiu de construir quatro viadutos na Avenida Agamenon Magalhães, perante os argumentos levantados por um grupo da Sociedade Civil. Assim como aconteceu aqui, este grupo foi capaz de derrubar a falácia de que os viadutos serviriam ao transporte coletivo. Lá, porém, o governador Eduardo Campos teve a ombridade de tomar uma decisão em prol da coletividade, admitindo que os projetos governamentais podem, sim, ser melhorados pela população.
Por aqui, Fortaleza sofre com o processo de deseducação política promovido pela Prefeitura de Fortaleza, tanto no quesito participação popular, como no âmbito da mobilidade urbana. E não se pode dizer que esta gestão está paralisada no que concerne às melhorias efetivas em mobilidade, que se traduzem nas faixas exclusivas de ônibus e na infraestrutura cicloviária (falta atenção ao pedestre!). O comprometimento com erros já planejados – as diversas obras rodoviaristas antipedestres e anticiclistas -, porém, torna esta gestão esquizofrênica, impedindo que o prefeito Roberto Cláudio desfrute do mesmo aumento de aprovação que o prefeito Fernando Haddad, em São Paulo. Por lá, a aprovação da gestão como “ótima ou boa” subiu de 15% para 22%, enquanto a taxa de reprovação caiu de 47% para 28%. Isso aconteceu ao mesmo tempo em que 80% dos paulistanos declararam aprovar a implantação da infraestrutura cicloviária pela Administração Municipal.
Em São Paulo, a prática de Haddad tem demonstrado coerência com o seu discurso, que se tornou extremamente qualificado através do diálogo com os coletivos que tratam da mobilidade urbana, permitindo uma comunicação extremamente transparente e clara com a sociedade. Estes coletivos são a chave da popularidade da atual gestão, tendo em vista sua influência na opinião pública e capacidade de diagnosticar os acertos e deslizes no âmbito de sua especialidade.
A vitória do Executivo fortalezense, portanto, ao “concluir” os viadutos do Cocó (enquanto não houver alternativas para pedestres e ciclistas, a obra não pode ser considerada concluída à luz da Lei Federal 12587) ainda não pode ser cantada. Primeiro, porque o fenômeno chamado “demanda induzida”, amplamente conhecido no âmbito da mobilidade e segundo o qual obras feitas para carros atraem mais carros, tratará de congestionar os viadutos em alguns anos – veja-se a ampliação da Marginal do Tietê, na gestão Kassab, em São Paulo, que custou R$ 2 bilhões de reais e cujos efeitos na melhoria
do fluxo duraram apenas três anos. Segundo, porque o debate sobre mobilidade tem-se qualificado exponencialmente em Fortaleza, permitindo ao cidadão melhor avaliar as políticas de mobilidade da Prefeitura, à luz dos estudos mais modernos sobre o tema e das experiências de outras cidades.
Neste contexto de qualificação de debates, a estratégia da Prefeitura de depender de notas à imprensa enviadas por assessores declarando-se deslumbrados com a Administração Municipal tende a expor a gestão ao ridículo e ao descrédito perante os cidadãos. A melhor alternativa ao prefeito Roberto Cláudio é deixar de lado o comprometimento com os erros já cometidos e aliar-se aos diversos coletivos que estão dispostos a ceder gratuitamente sua experiência em prol da cidade, melhorando, assim, sua comunicação com a sociedade.
*Celso Sakuraba,
Diretor-presidente da Ciclovida – Associação dos Ciclistas Urbanos de
Fortaleza, advogado e Mestre em Ciências Jurídico-Empresariais pela Universidade de Coimbra.