Com o título “Correr para pensar – Com os parabéns ao sempre atleta Émerson Damasceno”, eis artigo do jornalista e sociólogo Demétrio Andrade. Adepto das corridas de rua, ele destaca certas coincidências da prática com a vida social agitada. Confira:
Sou adepto das corridas de rua. Devo fazer minha terceira maratona este ano. Fiz várias meias, além de algumas corridas de 10km. Quem corre sabe que, depois que se cria o hábito, é difícil parar. O corpo pede. E é um exercício saudável, que recomendo a quem quer que seja, com o devido acompanhamento médico.
Passar horas correndo faz você pensar, procurando ocupar a mente para esquecer o cansaço. Boa oportunidade para traçar paralelos entre situações vividas durante o trajeto e a trajetória traçada por você em sua vida. Reflexões além o suor, revelações além da visão, meditação além do esforço.
Aprendi, por exemplo, que não adianta tentar ultrapassar quem tem um ritmo maior que o seu. A princípio, parece possível, a dianteira surge como uma promessa de vitória no horizonte. Algumas centenas de metros depois, a realidade do melhor preparo lhe deixa para trás. Às vezes, inclusive, sem condições de finalizar sua própria meta, por conta de um esforço inesperado imposto ao seu corpo. Assim como no cotidiano, reconhecer limitações e tentar marchar dentro do seu tempo é o que lhe faz vitorioso.
Da mesma forma, não adianta, na corrida de rua mais longa, vangloriar-se de qualquer ultrapassagem. Você não sabe de onde aquela pessoa vem, quantos quilômetros ela já correu, quantos obstáculos já ultrapassou. Nem sabe também se ela está feliz simplesmente por cumprir o que lhe era necessário. Na sociedade de consumo, é moda a ansiedade de querer sempre mais. A paz de espírito, porém, chega somente àqueles que sabem o querem e como fazê-lo, a partir da correta distinção entre desejo, necessidade e vontade.
A corrida de rua também possui um “ethos” bem peculiar. A competição sempre existe, mas a maioria está ali querendo vencer somente um adversário: a si próprio. A maior briga de quem corre é por superar seus próprios limites de tempo, resistência e extensão. A energia da largada é muito positiva. É possível sentir os participantes felizes por estarem ali, e, o que é raro nos dias de hoje, felizes pelos demais integrantes do certame. Não à toa, é comum testemunhar cenas de incentivo, socorro, preocupação e solidariedade uns com os outros.
Esta última característica é maravilhosa. Na chegada, corredores e espectadores se unem para vibrar junto e dar força a quem conseguiu completar sua tarefa. E aí não importa posição ou condição atlética. Chegar é a maior recompensa. É quando a vitória individual é compartilhada com o coletivo. Assim como, no dia-a-dia, qualquer um de nós merece palmas por matar tantos e tantos leões.
* Demétrio Andrade,
Jornalista e sociólogo.