Com o título “História das Eleições no Ceará – 4 – Azarão surfa na onda vermelha, mas morre na praia em cenário de Hitchcock”, eis artigo do jornalista e radialista Francisco Bezerra, que vem contando um pouco da história das eleições no Estado. Confira:
“Aquele que já não consegue sentir espanto nem surpresa está, por assim dizer, morto; os seus olhos estão apagados.” Albert Einstein, físico alemão.
A eleição de 2002 no Ceará foi um filme de suspense, onde o roteirista usou requintes de crueldade para chegar ao desenlace. Nem o mestre dos filmes do gênero, o cineasta americano Alfred Hitchcock, teria imaginação fértil o suficiente para construir película tão heteróclita. Para contextualizar o cenário de um filme baseado em fatos reais, em plagas cearenses, é imperioso assinalar que o empresário Tasso Jereissati era uma espécie de reizinho que chegara ao poder na eleição de 1986.
Ao tomar posse em 15 de março de 1987, a primeira ação administrativa do governador das mudanças que derrotou os coronéis e prometia acabar com a miséria no Ceará foi transferir a sede do poder estadual do Palácio Abolição, localizado no miolo da Aldeota, em plena avenida Barão de Studart, para o Centro Administrativo Virgílio Távora (quanta ironia), no afastado bairro Cambeba. Outra cantilena de Tasso era o de por fim ao clientelismo e ao apadrinhamento político, vícios dos tempos de César, Adauto e Virgílio. Discurso que perpassou os três mandatos do Acioly redivivo em pleno fim de século XX.
Entre 1986 e 2002, Jereissati pintou e bordou na política do Ceará. Elegeu quem quis, quando quis, como quis. A nomenclatura para seu ciclo de poder tinha haver com a novo endereço de seu consulado : a geração Cambeba.
Naquele 2002 em que o ex-metalúrgico Luís Inácio Lula da Silva conseguiu finalmente chegar ao Palácio do Planalto após três tentativas frustradas, registrou-se fenômeno eleitoral denominado de onda vermelha. E o que era essa tal de onda vermelha? É o seguinte, Lula ganhou a disputa nas urnas, derrotando o tucano José Serra em segundo turno. Como o petista desembarcou no segundo round da peleja eleitoral como franco favorito, isso impulsionou candidaturas petistas em vários estados. O Ceará foi um exemplo.
O Cambeba escolheu como candidato de “fim de feira”( ou de ciclo), o então senador Lúcio Alcântara. Não que Lúcio fosse uma cabeça coroada no círculo íntimo do poder ou o candidato in pectore do Galego. Mas, nas pesquisas internas do PSDB, o político de tantos ferros era o único tucano capaz de não encerrar a era cambebista com derrota.
O PSDB havia sofrido duas defecções. Sérgio Machado, premier no primeiro mandato de Tasso, migrou para a oposição se instalando no PMDB, que deu suporte à sua candidatura governamental. O depurado estadual Wellington Landim, à época presidente da Assembleia, rompeu com o status quo local e saiu atirando nos antigos companheiros de sigla, escolhendo o PSB para entrar no jogo eleitoral. O PT que era o principal foco de oposição ao tassismo, entrou na disputa com o hoje deputado federal José Airton porque nenhum outro quadro petista ou mesmo da esquerda se dispôs a entrar numa guerra considera perdida. Declinaram da disputa nomes como Artur Bruno, Luizianne Lins e Inácio Arruda. José Airton, o patinho feio do PT, que não tinha nada a perder foi para arena como um cristão ia ao Coliseu.
Os arautos do Cambeba consideravam a vitória de Lúcio como favas constadas já no primeiro turno, posto que em sua chapa havia Tasso como um dos candidatos ao senado. O que os tucanos daqui não esperavam é que a onda vermelha comandada por Lula chegasse em terras de Alencar. Pois é, amigos, por menos de um por cento dos votos, a disputada foi para o segundo turno. Lúcio versus José Aírton.
Se em nível nacional, Lula venceria com tranquilidade o candidato do desgastado governo FHC, por aqui, o caldo engrossou como diz o jargão do vulgo. De tão acirrada, a pugna PT X PSDB foi decidida como numa corrida de cavalos. Os candidatos pisaram na linha de chegada, não cabeça a cabeça, mas focinho a focinho. José Aírton perdeu a eleição por, acreditem, 0,08% dos votos, significando 3047 sufrágios a menos que Lúcio Alcântara.
Aí, até no mundo mineral, a conversa dizia que houve maracutaia, malas pretas cruzaram os céus do Siará Grande com objetivos nada republicanos. Uma chuva de dinheiro, alegam os perdedores, contrariou a pesquisa de boca de urna do Ibope que registrou José Aírton com 52% dos votos contra 48% de Lúcio Alcântara. De real neste enredo é que o Ibope ou qualquer outro instituto dificilmente comete erro em pesquisa de boca de urna. Entre choros e risos, depois de proclamado o resultado oficial, coube a sentença do Bruxo do Cosme Velho em seu romance Quincas Borba: “Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
* Francisco Bezerra,
Jornalista, radialista e professor.