Em artigo no O POVO deste sábado (20), o médico, antropólogo e professor universitário Antonio Mourão Cavalcante comenta da dificuldade de se ajudar pessoas com distúrbios que vagam pelas ruas de Fortaleza, por meio de órgãos públicos. Confira:
Uma cachorrinha da raça poodle, bem branquinha, limpinha, com fitinha na cabeça, apareceu solta, correndo na rua Vicente Leite, bairro Meireles, quase esquina com a Avenida Dom Luiz (a tal do binário!). Todo mundo se mobilizou para salvar a coitadinha. Meu Deus, de quem é essa bichicha? Olha, cuidado com os carros, se não, atropelam a coitadinha… Ah! Meu Deus, quanta aflição, diziam todos com preocupação e zelo.
Na rua Nunes Valente, esquina com a Pereira Filgueiras, bairro Meireles, um rapaz jovem, algo em torno de uns 30 anos, maltrapilho, cabelos encaracolados, pés descalços, perambula para lá e para cá. Camisa suja. Calção sujo e desbotado. Causa repugnância. Alguns até mudam de calçada, morrendo de medo. Ele não fala “coisa com coisa.” Não consegue nem dizer o seu nome. Nem sabe de onde veio. Solta um riso tímido, vago e sai. Não molesta ninguém – por enquanto – e, salvo um prato de comida que lhe oferecem, o resto é desprezo total… Vai apodrecer e ninguém vai se importar!…
Mas, fruto de uma “deturpada” formação, eu resolvi procurar o poder público, imaginando encontrar solução para o inditoso rapaz. Liguei para o Caps (Centro de Atenção Psicossocial) da Regional II (Tel.3105.2632). Depois de três chamadas sem êxito, um rapaz delicado e alegre, me explica: “olha, ele tem que vir aqui para ser atendido. Nós não temos equipe de busca.” Agradeci. O que ia fazer?
Ele dá a pista para procurar o Crass (confesso que não sei o que significam todas estas letras!). Pois. O Crass do Mucuripe – tel. 3452.7348 – explica que as situações de moradores de rua não são com eles! Eles atendem casos sociais. Mas, o que é mesmo um caso social?
O rapaz do Crass indica uma sigla que achei giro: Centro Pop (tel. 3105.1024). Igualmente, não sei o que significa. Mas, uma senhora delicada e alegre fez-me um verdadeiro inquérito. Quis saber de tudo! Prometeu que naquela tarde, não seria mais possível: a equipe de abordagem já tinha saído. Mas, amanhã… (Lembrei-me do “fiado só amanhã”). E, até hoje, três dias passados, nada foi feito.
O rapaz da Nunes Valente (vou batizá-lo assim!) continua dormindo ao relento. Abrindo um riso, coçando a cabeça, sem graça e sem o charme da cachorrinha poodle.
E ela? Voltou para dona. Bom mesmo é ter dono!…