Com o título “História das Eleições no Ceara 2”, eis artigo do professor, jornalista e radialista Francisco Bezerra. Ele vem contando, por meio do Blog, um pouco das particularidades dos pleitos cearenses, ajudando o eleitor a entender cenários. Confira:
“A tolerância é tão necessária na política como na religião; só o orgulho é que intolerante.” Voltaire, filósofo francês.
O Brasil sentia ainda a ressaca de 15 anos de poder de Getúlio Vargas, que chegara ao catete em 1930, comboiando tropa saída de Porto Alegre para instaurar novo ciclo de poder estribado na Aliança liberal. O político gaúcho foi, na história da República, o mais longevo chefe de estado, ao suceder o paulista Washington Luiz, deposto por uma junta militar, levando consigo para o exílio os restos mortais de uma senhora que morrera apodrecida. Seu nome: Velha República.
Da década meia de poder, Getúlio governou 7 anos sob a ditadura do Estado Novo. Ditadura que não resistiu aos ventos de liberdade vindos, mormente, da Europa arrasada pela Segunda Guerra Mundial, mas vitoriosa sobre o nazifascismo de Hitler e Mussolini. Vargas deixou o Catete em 28 de outubro de 1945, deposto que fora por militares de sua integral confiança, à frente os generais Eurico Gaspar Dutra e Góis Monteiro. O primeiro se elegeria presidente ainda em 45. Em 1946, o País assiste a proclamação de mais uma constituição republicana, talvez a mais democrática de todas.
O Ceará deixava para trás os ásperos anos em que fora governado pelo interventor Menezes Pimentel. No limiar do ano de 1947, são realizadas eleições gerais e a Nação recobra assim o estado de direito em sua plenitude. É neste cenário de liberdade ampla que se montam os palanques para governador em nosso Estado. Valho-me do precioso livro do jornalista Wilson Noca, “Sermões, Matracas e Alcatrão: religiosos e comunistas na luta pelo poder 1946-1950,” para passar em revista o que foi o pleito daquele longínquo ano. No resgate histórico, o escritor aborda como tema central a luta ideológica entre católicos e não católicos pelo poder.
A Igreja não se mostrou monolítica, ao contrário. Parcela ponderável da hierarquia católica decidiu apoiar o candidato Onofre Muniz Gomes de Lima, do PSD, coligado com o PRP, sucessor da Ação Integralista Brasileira.
Outro grupo de religiosos preferiu ficar com a candidatura do desembargador Faustino de Albuquerque, da UDN, com apoio do PSP e PR. Saído da clandestinidade o Partido Comunista do Brasil decidiu recomendar, aos seus militantes, o nome do candidato da UDN. Mesmo com a recusa do desembargador em receber os votos dos comunistas.
O embate, mais que político, passou a ser religioso e a igreja católica, comandada por Dom Almeida Lustosa, ao lado de Dom José Tupinambá da Frota, se embrenhava na mais ferrenha campanha contra o comunismo, postando-se ao lado da campanha de Onofre Muniz.
A divisão da hierarquia da igreja católica ficou exposta diante da paixão política encarnada por clérigos que transformaram os templos em palanques eleitorais. Entre os religiosos udenistas, os mais destacados foram os Monsenhores Otávio Mesquita de Paula Lima, José Alves Quinderé e o padre João José Cavalcante. A guerra Santa foi marcada por fatos pitorescos como a refrega, em Sobral, entre Dom José e José Sabóia de Albuquerque, o industrial mais destacado da zona norte.
No Cariri, por quatro vezes os comunistas tentaram realizar comícios no Crato, sendo impedidos por grupos exaltados de católicos. Em Juazeiro do Norte, os “vermelhos” escaparam de linchamento, pois se espalhou boato de que os ateus estariam querendo levar os restos mortais do padre Cícero para Moscou.
O desembargador Faustino de Albuquerque venceu a disputa extremada do dia 19 de janeiro de 1947, mesmo com a ameaça de excomunhão. Neste contexto, a Igreja Católica se viu transformada em partido político, contrariando orientação do Vaticano.
Já neste período da história começava a ficar bem nítida a divisão dos católicos entre conservadores e progressistas. Faustino de Albuquerque, por sua intransigência e costumes austeros, faria o governo mais conturbado da história do Ceará. Mas aí são outros fatos que contaremos em outro momento como por exemplo, o episódio da Chiquita Bacana.
PS.: Grande parte dos fatos aqui narrados estão registrados na preciosa pesquisa de Wilson Noca.
* Francisco Bezerra,
Jornalista, radialista e professor.