Em artigo enviado o Blog, o ex-presidente do Tribunal de Contas da União, advogado Ubiratan Aguiar, comenta o desempenho do Brasil na Copa. Para ele, o improviso não deu certo. Confira:
Não devemos analisar a hecatombe da seleção brasileira em função de um jogo. Os analistas esportivos, os milhões de técnicos brasileiros das arquibancadas falavam após cada partida que o time não havia convencido. Procurávamos nos iludir com um civismo de ocasião.
Os sinais eram evidentes da desarticulação. O primeiro aviso do mal que acometia a seleção veio através do o empate sem gols com o México.
Os mais velhos, saudosistas de plantão, lembram-se da sinfonia tocada em campo pela seleção de 1958. A bola deslizava na grama de pé em pé. Uma coreografia do talento futebolístico resplandecia no conjunto em que a constelação mostrava a luminosidade de suas estrelas.
Era a fase áurea do futebol arte que se sobrepunha ao da força física dos europeus.
A criatividade de nossos atletas, nos dribles desconcertantes de Garrincha, no balé feiticeiro de Pelé ou na muralha defensiva de um Bellini, encantava os olhos da humanidade.
Começamos a exportar genialidade e a importar o futebol força. Cinquenta e seis anos depois, a Alemanha adotou a Seleção Brasileira de 58, e nós copiamos o estilo europeu daquela época. Longe de mim, imaginar não se dedicar atenção especial ao preparo físico. O que nunca entendi foi o não estimular o futebol arte, característica principal do sul-americano.
Qual o tempo mínimo necessário para o preparo técnico e físico de nossos atletas? Qual o critério adotado para a escolha dos nomes? Quantos jogadores foram importados do exterior e em que tempo foram integrados à seleção? O que dizer dos que atuavam no Brasil, cumprindo uma maratona de jogos dos campeonatos estaduais, brasileiros, Copa das Nações, sul-americanos e amistosos? De qual o período o técnico dispõe para a preparação da equipe? O que foi investido no preparo psicológico e médico, objetivando dar equilíbrio emocional e saúde aos integrantes do time nacional?
É próprio do Estado Brasileiro cultuar os improvisos e estimular a prática do dar um jeitinho em tudo. É o País em que a Constituição é descumprida, maquiando-se números destinados a investimentos em educação. Não se respeita autonomia financeira das universidades (art. 207 da CF); obras suntuosas e não prioritárias têm primazia em relação àquelas reclamadas pela saúde; a taxação das grandes fortunas, objetivando a desconcentração da renda, não acontece, o que contribui para o agravamento do quadro de injustiça social; a ausência de um pacto federativo, corrigindo as desigualdades regionais, nunca se efetivou, desrespeitando dispositivo constitucional que determinava alocação de recursos nos 10 anos subsequentes à promulgação da Carta de 88, nos orçamentos públicos; votação da reforma política, fortalecendo os partidos, através de conteúdos ideológicos, formação de quadros políticos, reduzindo a influência do poder econômico.
Esses são alguns aspectos que nossa memória recolhe nessa hora de comoção.
Diante de nós, a seleção do improviso, composta de jogadores que atuam no exterior e de atletas integrantes dos times locais resgatados das grandes agremiações dos centros esportivos mais adiantados do País. Entregaram a direção do time a um gerente de pulso forte, com a missão de ganhar a copa sem antes discutir o projeto, as diretrizes a serem adotadas, em sintonia com as características inerentes à escola do futebol brasileiro. Nada disso foi feito. O improviso não deu certo. O povo cumpriu sua parte, como deveria também ser estimulado a fazer em relação às ciências, às artes, à política e às letras. Faltou aos dirigentes a organização; sobrou arrogância. Perplexo, o povo brasileiro assistiu ao descumprimento de leis, à isenção dada à FIFA do pagamento de impostos, à soberania ser arranhada, à mescla de política com esporte, à frustração da nação ante o sonho anunciado de vitória em uma área que é paixão nacional. Faltou competência para vencer, mas formulamos votos, para que não falte coragem em construir uma nação com os valores da ética e da moralidade, do humanismo e da cidadania, da crença na família e nos respeito ao semelhante.