Com o título “Vira-latas estrangeiros têm pedigree?”, eis artigo do jornalista e sociólogo Demétrio Andrade. Confira:
Em clima de Copa, fui com meus filhos assistir Alemanha x Gana. Pegamos uma enorme fila, mas que fluía normalmente, até chegarmos próximo à área de entrada. Contrariando a “padrão-FIFA”, alguns “espertos” tentaram furar a fileira, desrespeitando quem estava esperando até 30 minutos no sol quente. Entre os que tentavam exercer este ato de canalhice vi de tudo: alemães, ganeses, italianos, mexicanos, americanos e gringos que não identifiquei a nacionalidade. NENHUM brasileiro.
Claro que, ao ver a cena, gritei e fui grosso: chamei a polícia e expulsei quem podia dali na marra, principalmente porque o rapaz – brasileiro –, com credencial da FIFA, parecia um banana. A impressão que ficou é que baixamos tanto a guarda nos humilhando que temos vergonha de falar pro cidadão de fora: “vocês estão em casa e os recebemos de braços abertos, mas aqui também queremos respeito e educação”. O triste episódio da invasão dos chilenos no Maracanã e outros flagrantes de mau comportamento de alguns forasteiros têm de ser exemplarmente rechaçados.
O sucesso da Copa é evidente. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, a área de turismo receptivo cresceu 14,7%, agências de viagem e parques temáticos, mais 9,6% de faturamento e setor de hotelaria, mais 9% no período. Mais de 600 mil estrangeiros vieram para o Mundial, além de 3,1 milhões de brasileiros que se deslocam para as 12 cidades-sede. A revista Valor econômico prevê gastos de turistas de R$ 6,7 bilhões. Com repercussão positiva, até mesmo a maioria da imprensa nacional – que fez côro com a oposição pregando o caos no evento – está sendo obrigada a dar matérias positivas dia após dia.
O carinho e a hospitalidade do povo brasileiro é o que mais atrai, notadamente entre os estrangeiros. Mas, aqui entre nós mesmos, parece que falar mal do Brasil é um esporte. Todo lugar tem coisas boas e ruins, mas no exterior eles exultam os pontos positivos, enquanto no Brasil se maximizam os negativos. Aqui, a moda é falar que bom é o que vem de fora. Que na Europa e nos EUA tudo é melhor. Lembro, quando era criança, de um tio falando que na Suíça “não se cuspia no chão”. Por que não exaltamos com orgulho o que temos de bom?
Nos EUA, os resultados das eleições demoram semanas porque não há nada automatizado. Nosso sistema é referência mundial. Na Europa, enrolar sanduíche em guardanapo, lavar as mãos antes de comer e tomar banho todos os dias são hábitos restritos. Não é toda acomodação que possui banheiro no quarto. Nas padarias, feiras e açougues europeus, os atendentes recebem o dinheiro e com mesma mão suja entregam a mercadoria. Os franceses costumam levar o pão que compram embaixo da axila, os garçons tratam você com grosseria e ai de quem tentar se comunicar em outra língua que não a deles. A comida londrina é mundialmente conhecida pela sua má qualidade e pouca variedade. Na Europa, fuma-se em qualquer lugar. Os mares são gelados e as praias – mesmo as famosas – não se comparam às nossas.
Em resumo, este país é abençoado por sua natureza, encontra-se num momento extremamente positivo e precisa, da parte de cada um de nós, de um exercício de auto-valorização. Isso, repare, de forma alguma significa achar que está tudo bem e deixar de lutar para resolver nossos problemas, que são muitos. Mas é urgente reacender em nós o orgulho da nossa terra e nossa altivez perante os demais. E isso passa pelo reconhecimento de que, em qualquer lugar do mundo, encontraremos gente boa e gente ruim: os vira-latas, mesmo estrangeiros, são tão sem pedigree quanto os nossos.
* Demétrio Andrade,
Jornalista e sociólogo.