Com o título “A difícil arte de viver o presente”, eis artigo do jornalista e sociólogo Demétrio Andrade. Ele aborda, entre algumas reflexões do cotidiano, o fato de que viver o presente é bem difícil. Confira:
No dia do meu aniversário, enquanto minha família me cumprimentava e meus amigos me enviavam mensagens de felicitações, eu estava preocupado com detalhes sobre a declaração do meu Imposto de Renda, cujo prazo final é 30 de abril. Saí de casa para o trabalho – correndo, pra variar – de olho no relógio. No caminho, além de elencar tarefas diárias, fazia planos de agenda para a próxima semana, refazia mentalmente contas a pagar, me afligia com problemas cotidianos e, em meio a isso tudo, tentava refletir sobre a passagem dos anos.
É uma digestão complicada. Compreendi, naquele momento, que viver o presente é difícil. Deveria ser lógico e prazeroso curtir aqueles carinhos por alguns minutos antes de voltar às exigências de ofício. Mas a multiplicidade dos acontecimentos e a verticalidade de nosso rotina fazem com que nossa cabeça não obedeça um tempo cronológico normal. O aqui e agora muitas vezes parece ser um horizonte a ser contemplado. E não vivido no momento em que de fato ocorre.
É impressionante, por exemplo, a quantidade de fotos do pôr-do-sol no facebook. Mas é raro você encontrar alguém que lhe confesse que “tirou o fim de tarde para ver o sol se pôr”. Aliás, sempre me chama a atenção a quantidade de fotos postadas nesta mídia específica em viagens, aniversários, eventos ou quaisquer outros momentos – inclusive íntimos. Sempre me pergunto se elas estão de fato curtindo ou muito mais preocupadas em “provar para os outros que estão felizes por estarem fazendo o que estão fazendo”.
As fotos são registros de segundos que se eternizam. Com sorte, podem até refletir e resumir passagens significativas de nossa vida ou mesmo gerar uma imagem histórica. Mas, no mais das vezes, as situações pelas quais passamos não cabem num fotograma: abraços, beijos, brigas, discussões, sorrisos, mágoas. E a obsessão em registrar acabar nos tirando o foco do viver.
Tenho problemas em viver o presente. Deve ser por isso que não me sinto disposto ou alegre em organizar e programar festas. No meu aniversário, por exemplo, fico tão tenso em saber se está todo mundo bem, se estão todos comendo e bebendo, se a música está boa, se dei atenção suficiente a cada um, que acabo não vivendo o instante. Quando tudo acaba, o que me vem é uma sensação de alívio.
A lição que me fica é sobre a crueldade com a qual o presente é tratado por nós nos dias de hoje. Ele escorre por nossas mãos enquanto estamos distraídos com desejos de futuro, perseguidos pelos erros do passado ou alheios à realidade por nossas obrigações. Mas qualquer dia destes, presente, eu aprendo a te desembrulhar.
* Demétrio Andrade
Jornalista e sociólogo.