Com o título “O IPTU de cada ano e de cada um de nós”, eis artigo do empresário e escritor João Soares Neto. Ele aborda a polêmica sobre o aumento do IPTU de Fortaleza e recomenda ao prefeito conferir boleto desse imposto em outros países, que expõem onde o dinheiro arrecadado será aplicado. Confira:
O Prefeito é pessoa capaz, digna e bem intencionada. Participou, como a maioria dos políticos brasileiros, de uma coligação para ser eleito e conseguiu. Depois disso, para ter maioria na Câmara Municipal, houve que assumir compromissos. Dessa forma, o seu secretariado não é o ideal, mas o possível na lógica da prática política em curso, desde sempre. Pedidos são os seus calos diários.
Por outro lado, algumas famílias e empresas, sentindo que o aumento do IPTU foi alto demais para as suas fontes de renda, pediram-me para escrever algo sobre o assunto.
Sabedor de viagem do Prefeito, nestes dias, ao Exterior, peço que, se tempo tiver, procure saber como as cidades americanas e as da Europa cobram e prestam conta do equivalente ao nosso IPTU. Fluente em inglês, o Prefeito poderá ver que a maioria das cidades detalha, no boleto do imposto municipal de propriedade, quais os serviços que o seu pagamento contempla na região de quem paga. Entre outros: escola pública, proteção contra incêndio, pavimentação, paisagismo, iluminação, limpeza e transporte escolar.
Na verdade, tudo fica muito claro e cada cidadão tem o direito de saber em que o seu dinheiro está sendo empregado na região onde mora. Nessa viagem ao exterior, entre tantas outras que já fez, quer como estudante de pós-graduação, lazer ou em cumprimento de missão pública, poderá formar um juízo de valor equilibrado. Posso estar errado, mas essa será a primeira vez em que verá cidades estrangeiras com a racionalidade de cientista, olhos e sentimentos de gestor de uma cidade complexa e desafiante como a que administra.
Não gosto de repassar queixas, mas há entidades pedindo publicamente detalhes do cálculo do IPTU. Amigos, acadêmicos, professores e profissionais liberais, dizem “do inchaço no orçamento com prestadores de serviços e veículos terceirizados, centenas de funções gratificadas e dos encastelados perpétuos em cargos comissionados”.
Imagino que o primeiro ano de mandato deve ter sido duro e de aprendizado fundamental. Espera-se que este 2014 contenha um escopo de gestão definido, decisivo e incisivo para os que se sentem apenas como pagadores de impostos.
Um amigo, engenheiro e apartidário, fala, em e-mail: “numa cidade que não poupa, pois há excesso de retrabalho por serviços e obras mal feitas, máquina administrativa emperrada que não vê o contribuinte como cliente nem como o pagador do que cada servidor recebe no final de cada mês”.
Se o Prefeito tomar conhecimento do que escrevo, em nome dos que me solicitaram, saiba que o tenho em alta conta e não há nenhuma animosidade, mas perplexidade deles ante “o caos em que grande parte da cidade se tornou nos últimos anos por conivência dos que ‘autorizam’ camelôs em pontos fixos; do centro desfigurado; das multas silenciosas em máquinas afixadas em postes como caça-níqueis, sem educação de trânsito; das parcerias, concessões e permissões não clarificadas”.
Aproveite para ver, sondar, inquirir, Senhor Prefeito, nesse tempo de viagem. Ao voltar, percorra a cidade como se fosse turista, não o quase sempre predador da orla marítima, mas os “nerds” e os destemidos “Rondons” e Villas-Boas que desbravam os bairros distantes e se estarrecem diante da miséria aflorada em cada viela das centenas de favelas.
Gostaria de ter dito tudo isso pessoalmente, mas o tempo é curto e muitos são os seus compromissos. Quem sabe, no próximo ano, tenhamos explicitações claras e visíveis sobre o que foi feito com o IPTU de todos nós. A cidade não é a mera soma das suas partes. Ela é mais que isso. Ela possui sinergia e é, como disse o escritor Ítalo Calvino, feita de desejos e medos. Os desejos estão submergindo no medo e nas desesperanças de muitos.