
Como título “Está difícil! Mas vai piorar!, eis artigo de José Roberto Martins, especialista em branding (marcas) que, a partir das 18h30min desta segunda-feira, no Gran Marquise Hotel,dará palestra e abrirá assim o projeto “Grandes Nomes da Comunicação”, chancelado VSM Comunicação do Ceará. Ele falará sobre o tema “Capital intangível”. Confira:
Os mais jovens, ou, pior, aqueles que leem pouco, não irão se lembrar. Até meados dos anos 1980 o Brasil era um paraíso de poucas marcas. Só para ajudar a lembrar, tínhamos apenas quatro montadoras: Ford, Volkswagen, GM e Fiat, que chegou por último em 1976 e hoje é a marca líder. No último salão do automóvel, em São Paulo, pudemos registrar a presença física e produtiva no Brasil de mais de vinte marcas, e isso incluindo as “marquinhas” BMW e Audi, que tem grandes planos para o país. Motos? Era escolher entre Honda e Yamaha. Atualmente? São também cerca de vinte marcas produzindo no país.
Gosta de cerveja? Bem, no mesmo período tínhamos praticamente duas marcas: Brahma e Antactica. O restante não tinha mais que 10% de participação de mercado. Hoje são cerca de duzentas marcas produzindo e vendendo, ainda que a Ambev, por razões que só o futuro justificará, tenha 68% de participação. Ainda assim, marcas outrora irrelevantes como Itaipava, Crystal, Nova Schin, dentre outras, respondem pelo restante das vendas, que ainda tem muito para crescer. Mas a participação de mercado da Ambev tem caído, e, não nos esqueçamos, grandes marcas globais como Sab Miller, Heineken e Kirin estão começando a arregaçar as mangas no Brasil e prometem dar muito trabalho.
A foto que ilustra esse texto é de minha autoria. Ela foi tirada em 16 de outubro de 2012 às 15:30. Revela, lado a lado, o Frans Café e a Starbucks, duas marcas importantes de cafeterias na Rua Haddock Lobo, Jardins, SP. A loja da paulistana Frans ocupa o local há muitos anos, e passou recentemente por uma maquiagem, já prevendo a iminente invasão da Starbucks, que apenas na região da Avenida Paulista já tem quase dez lojas.
Poderíamos continuar mostrando dezenas de exemplos, em todos os setores de negócios, e no país inteiro. Bancos, sabonetes, macarrão, mostarda, biscoitos, temperos, consultorias, máquinas e equipamentos, restaurantes, sabão em pó, detergente, modas masculina e feminina, perfumes, e assim por diante.
Mas vamos nos limitar aos nomes Frans Café e Starbucks. O Frans, como é chamado em São Paulo, era um lugar “tipo” Starbucks. Confortável, um café que, na minha opinião, nunca foi grande coisa, ar condicionado, lanches, salgados, doces e bolos que consumi poucas vezes, porque nunca os achei surpreendentes a ponto de colocar em risco a minha meta permanente pela boa forma física.
O Frans viveu muitos anos com pouca ou nenhuma concorrência. Dai vieram as marcas Cafés Floresta, Pilão, Três Corações, Casa do Pão de Queijo, dentre outras, que, mesmo pouco posicionadas em cafés, tomaram porções de mercado do Frans, embora muitos também não fossem grande coisa. Podemos também incluir o então modelo bem sucedido da Casa do Pão de Queijo, cujo padrão erodiu, enquanto outros melhoraram e progrediram, como a rede Café do Ponto.
Mas o Frans continuou na sua, julgando que mantinha um padrão que agradava quem não entendia muito de café. E, é claro, veio a zona de conforto. Por exemplo, bem depois, mas bem depois mesmo, é que o Frans passou a incorporar o copinho de água com gás para limpar as papilas e facilitar a degustação do café. Mas fizeram isso apenas porque novas pequenas cafeterias elitizadas nos Jardins, em especial, começaram a seguir o modelo italiano, o mesmo que inspirou a Starbucks. O Café Suplicy, também de São Paulo, acredito, foi uma inspiração quase certa para aquela decisão.
Mas apenas a qualidade do café explica todo esse movimento no setor? Não! O segredo da rede global Starbucks não está necessariamente nos seus tipos de cafés e a sua qualidade, mediana na minha opinião. Tomo cafés muito melhores e pagando muito menos em cafeterias pequenas, e, igualmente, confortáveis.
Mas a marca Starbucks é um pacote de inspiração italiana, que, convenhamos, ensinou o povo americano a tomar café. O modelo começa realmente pelo cardápio essencialmente italiano: café espresso, macchiato, café latte, cappuccino, moccaccino e derivações que a Starbucks criou, como o Frappuccino. Mas as coincidências param por aí. A reputação da Itália de ter o melhor café do mundo não está apenas na matéria-prima, em grande parte brasileira e colombiana, mas sim no preparo talentoso pelos baristas. Além disso, os italianos criaram máquinas de preparo de grande qualidade, que, controladas com competência, produzem um café perfeito, o qual idealmente deve ser tomado sem açúcar ou adoçante. Custou-me mais de um ano de treino, mas só tomo bons cafés sem qualquer tipo de adoçante.
O segredo do Starbucks é vender uma “experiência de consumo”. Bons espaços, cool jazz, ninguém te enchendo para comprar, wi-fi grátis na maioria das lojas… Enfim, uma sala de lazer grátis e com ar-condicionado que cobra caro, mas entrega conforto. Muita gente até abusa, não compra nada e dorme nos sofás. Mas é o preço a pagar pelo modelo, exatamente como nas megalivrarias, nas quais as pessoas passam o dia inteiro lendo de graça e, ainda assim, esses negócios proliferam. Vai entender a cabeça das pessoas…
Além das lojas, o consumidor pode ter um ótimo café em sua própria casa. A italiana Illy foi a primeira a chegar no Brasil com os seus sachês, sendo muito tempo depois ultrapassada pela Nespresso. Tive a máquina da Illy, mas deixei de usar porque os sachês ficaram muito caros. Ainda utilizo a Nespresso, mas devo confessar que com essa história de pegar senha para ser atendido começo a desconfiar que o modelo premium que erigiu a marca pode ter começado a se esfacelar. Mas, nos casos Illy e Nespresso, e também para quem não sabe, as duas marcas utilizam cerca de 60% de café brasileiro para compor os seus blends. Ou seja, vendemos café a preço de commodity e o recompramos a preço de grifes. Talvez seja a nossa sina. Até hoje não conseguimos superar o excelente trabalho de comunicação do café colombiano, que vende menos do que nós e ganha muito mais, porque tem uma reputação superior de qualidade.
Voltando ao Frans, à foto e maquiagem, o café continua de médio para bem ruim e o atendimento uma lástima. Claro que algumas lojas podem ser exceções, mas em um negócio no qual você tem que enfrentar uma marca gigante como a Starbucks, o Frans tem ainda muito para aprender. Conheçam duas experiências pessoais.
Moro em São Paulo a menos de uma quadra da loja Fnac da Avenida Paulista, a qual elegeu o Frans para ser a sua cafeteria. Num sábado pela manhã fui até a Fnac e resolvi tomar um café no Frans, já que as minhas cafeterias preferidas fecham nos finais de semana. Nelas, pago R$2.70 por um ótimo expresso. Pedi um café que me custaria R$3,70 e dei uma nota de R$50,00, a única que tinha. A caixa disse que não poderia me atender porque não tinha troco.
Surpreso, pedi que chamasse o gerente, mas, o que é muito comum, a loja não tinha um gerente. Ou seja, ninguém com poder para resolver uma simples questão de falta de troco, cuja obrigação de fornecer é do vendedor, e não do comprador. Bom, reclamei e tive que deixar a loja sem tomar o meu café.
Cerca de duas semanas depois a mesma situação, só que agora com a falta de troco para uma nota de vinte reais. Também deixei a loja sem tomar o meu café, mesmo protestando sobre a reincidência. Conclusão: dois fatos desagradáveis, e de conhecimento apenas meu e das atendentes, que ganham pouco e não tem nenhum poder ou visão do que estão fazendo, transformou-se em um case, agora do conhecimento de milhares de pessoas. Valeu a pena a economia que a marca fez? As duas oportunidades de contentar o consumidor que a marca perdeu? Não teria custado bem menos oferecer o café sob o meu compromisso de retornar e pagar quando eu tivesse troco? Isso já aconteceu comigo, e com contas muito mais altas. Como sou honesto e sei que se eu não pagasse o dinheiro sairia dos bolsos dos empregados, enquanto eu não saldasse as “dívidas” eu não ficava tranquilo.
Agora, lado a lado com a Starbucks, o Frans terá mais uma oportunidade, talvez a última, para rever o seu modelo de negócios, as suas decisões gerenciais, de comunicação de marcas e de economias tolas com mão de obra desqualificada, destreinada e sem nenhum poder para resolver conflitos idiotas, como a falta de troco para a venda de um café nada surpreendente. E porque a Starbucks pode tomar mais fregueses do Frans? Simples: porque tem a reputação de oferecer uma experiência agradável de consumo. Aproveitando, quando você viu um comercial de TV da Starbucks no Brasil?
De modo geral, e mais uma vez sem considerar as exceções, muitos empresários não estudam. Com isso, acabam comprando soluções de comunicação que são meras maquiagens e que não resolverão os grandes desafios adiante. Claro que isso é ótimo para o meu negócio de consultoria, mas lições valiosas são grátis e, algumas, até muito antigas, são surpreendentemente simples e contemporâneas em sua finalidade de educar:
“Todas as organizações ou grupos de pessoas que trabalham juntos durante algum tempo desenvolvem uma filosofia, um conjunto de valores, uma série de tradições e costumes. Tudo isso será a identidade da empresa. (…) Cada pessoa dentro da empresa é importante e todas as funções desempenhadas também o são. (…) Grande parte do nosso sucesso se deve ao fato de transferirmos a responsabilidade até o nível em que ela pode ser exercida com eficácia; normalmente, no nível mais baixo da organização, o que está mais próximo do consumidor”. (The HP Way: como Bill Hewlett e eu Constrímos nossa empresa. Campus, 1995.
São lições de vencedores, e datam dos anos 1940. Bem, para encurtar, é importante ensinar que marca não é um logotipo, coisa que já falávamos em O império das marcas, meu primeiro livro publicado em 1996. Marca é um “pacote” que inclui qualidade, bom serviço na venda e pós-venda, gente qualificada, ótimo design, comunicação inteligente e uma infraestrutura que não seja boa apenas em fazer promessas, mas, principalmente, em entregá-las porque isso faz parte da sua cultura e não de suas traquinagens administrativas ou de comunicação.
Finalmente, a respeito do provocativo tom pessimista no título desse artigo. Se você viu nele um copo meio vazio, então provavelmente a sua marca está com problemas. Caso você tenha percebido o contrário; um copo meio cheio, então provavelmente a sua marca tem um ótimo futuro. Talvez sejam necessários apenas alguns pequenos ou grandes ajustes.
* José Roberto Martins,
Presidente da GlobalBrands e autor de vários livros, incluindo: Branding: um manual para você criar, gerenciar e avaliar marcas (2006) e Capital intangível: guia de melhores práticas para a avaliação de ativos intangíveis (2012). É pioneiro brasileiro em avaliação e comunicação de marcas, desde 1995.