Com o título “Agressão a racionalidade”, eis artigo que nos manda o advogado João Castelo Sobrinho. Ele bate nos absurdos da legislação em algumas esferas e lamenta a equiparação slarial de segundo escalão com a remuneração do governador do Estado. Confira:
Nos últimos tempos, a legislação brasileira tem sido elaborada ao sabor de pressões de grupos, para dar pronta resposta a fatos episódicos com repercussão na sociedade ou, ainda, para atender a conveniência político-administrativa de alguns governantes. Isso tem contribuído para impregnar o ordenamento jurídico nacional de uma série de absurdos, por conta da edição de leis desprovidas de racionalidade e que não refletem o sentimento do povo.
Um exemplo emblemático deste fenômeno repercutiu, por exemplo, na área do Direito Penal. Sob a justificativa da necessidade de defender a fauna, preservando as espécies ameaçadas de extinção, foi aprovada uma lei considerando crime hediondo a matança destes animais. Vale dizer, se alguém vier a matar, por exemplo, uma “anta” ou um “mico leão dourado” responderá o processo preso, em face deste delito, por ser hediondo, não comportar fiança. Se, no entanto, alguém pratica um homicídio, a depender das circunstâncias, pode responder ao processo em liberdade. A vida humana, assim, tem menos valor do que a de um animal.
Tais absurdos se repetem, não apenas no âmbito penal, mas em outras áreas do direito. A construção legislativa, em função disso, não tem observado os princípios em que se deve assentar a legislação, os quais hão de ser harmônicos e guardar coerência entre si. No campo do Direito Administrativo são editadas leis, a todo o momento, que atentam contra as mais elementares normas, algumas até de natureza constitucional.
Agora mesmo, o governo cearense vem de incorrer neste equívoco. Ao encaminhar à Assembléia Legislativa Projeto de Lei reajustando os salários dos seus servidores e fixando os novos valores dos subsídios do governador, secretários de Estado, secretários adjuntos e secretários executivos, a todos foi conferido o mesmo tratamento remuneratório. Colocou-se, assim, num mesmo patamar, as representações dos citados cargos, farpeando, não apenas o princípio da hierarquia funcional, como ainda o da razoabilidade, ao conferir idêntico subsídio para cargos de natureza diversa com diferentes graus de complexidade. Ora, como igualar a remuneração do detentor de um cargo do terceiro escalão de uma Pasta com a do governador do Estado?
O fato assume maior gravidade quando se constata que os subsídios desses servidores se situam num nível superior ao do próprio vice-governador. Por que esta “babel”? Simplesmente porque o governador Cid Gomes resiste em elevar seus subsídios ou estabelecer um teto salarial mais elevado para o funcionalismo público estadual. Tal circunstância impõe este absurdo que agride a racionalidade. Em quase duas dezenas de Estados brasileiros isto não mais acontece justamente em face de seus governadores haverem instituído o teto salarial único na conformidade com o que lhes facultou EC nº 47/2005.
* João Castelo Sobrinho
Advogado.