“Criada para afastar da política corruptos ou condenados por irregularidades, a lei está sob o assédio dos recursos judiciais. Seu alcance deve ser agora decidido pelo Supremo
O ex-deputado estadual José Carlos Gratz foi acusado de comandar o crime organizado que dominou os poderes no Espírito Santo na década de 1990.
Ele foi preso e condenado a dez anos de cadeia pelo Tribunal de Justiça do Estado por formação de quadrilha, entre outros crimes. Gratz cumpre pena em liberdade e tenta voltar à política como candidato a senador pelo PSL.
Ele registrou sua candidatura, mas está ameaçado pela Lei Ficha Limpa. Na semana passada, Gratz apresentou uma reclamação ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a lei com o argumento de que ainda não foi condenado em definitivo. Ela não foi aceita.
Gratz vai recorrer da decisão, mas seu caso mostra o que pode ser uma mudança na política brasileira. Por impedir que condenados em segunda instância se candidatem, a Lei Ficha Limpa é um obstáculo ao acesso de criminosos a cargos eletivos e ao uso do mandato político por pessoas interessadas nos benefícios do foro privilegiado.
O principal desafio agora é resistir aos questionamentos jurídicos que virão. Desde que a lei foi sancionada, há um mês, o STF e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) autorizaram, por meio de medidas liminares, o registro da candidatura para as eleições de três políticos que deveriam ser barrados pela lei.
Ao mesmo tempo, pedidos feitos por outros 12 políticos foram negados por ministros do mesmo Supremo. Juristas dão como certo que o alcance da lei será examinado em breve pelo plenário do Supremo.
A Lei Ficha Limpa diz que pessoas condenadas por decisões judiciais colegiadas – ou seja, tomadas por mais de um juiz – não podem se candidatar. De acordo com o presidente do TSE, ministro Ricardo Lewandowski, a Lei Ficha Limpa terá de ser examinada pelo Supremo porque sua aplicação envolve o confronto entre dois dispositivos da Constituição.
Um deles é o princípio da presunção de inocência. Segundo ele, uma pessoa só é considerada culpada – e, portanto, não poderia ser candidata – depois que se esgotam todos os recursos contra sua condenação. O outro é o princípio que protege a probidade administrativa.
“Serão esses dois valores que serão sopesados quando os tribunais superiores examinarem o tema”, afirma Lewandowski. Em resumo, o Supremo vai decidir se deve prevalecer o direito individual de um político “ficha suja” ser candidato ou um desejo coletivo da sociedade de que ele não se candidate.
Um indício que fortalece o segundo princípio é o fato de a Ficha Limpa ser resultado de um projeto de iniciativa popular, que contou com 1,5 milhão de assinaturas. Sua aprovação – mesmo com modificações – foi obtida por pressão sobre um Congresso debilitado por denúncias.
“A lei vai fazer muitos fichas sujas desistir de se candidatar”, diz o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ)
A Lei Ficha Limpa é uma criação brasileira para contornar a corrupção na política e a lentidão da Justiça em puni-la. Segundo pesquisa do site Congresso em Foco, dos 513 deputados federais, 147 são processados no Supremo. Dos 81 senadores, 21 estão na mesma situação.”
(Revista Época)