“A sinceridade e o receber bem estão na rotina do delegado Espártaco Esmeraldo, 52. Do tempo que passamos na calorenta delegacia de Roubos e Furtos de Veículos e Cargas do Ceará (DRFVC), um pouco mais de duas horas, sete vítimas foram atendidas por ele para que tivessem o carro liberado. “As pessoas já sofrem com o assalto ou furto e ainda são penalizadas na delegacia? Não“, comenta.
Rodeado de imagens de santos nas paredes e sentado em frente a um altar onde estão estátuas de São Francisco, Nossa Senhora Aparecida, São José e outros protetores, o delegado, que tem nome de gladiador romano, se cerca da fé católica para levar seus 28 anos de Polícia Civil. Para Espártaco Esmeraldo, a DRFVC não está preparada para enfrentar as quadrilhas que roubam 19 carros por dia em Fortaleza. Ano passado eram 17.
Falta o básico na delegacia. Banco de dados sistematizado, por exemplo, ferramenta fundamental para uma especializada constantemente acionada, não existe. Espártaco assumiu a Roubos e Furtos de Veículos em 24 de novembro de 2008 e confessa que não faz planos para continuar por lá.
O nome Espártaco foi escolhido pelo pai, um promotor de justiça que militava no comunismo e gostava de histórias heroicas. Acabou assassinado em Missão Velha, no 1968, a facadas, por um criminoso que não gostou de sua atuação judiciária.
Acompanhe a seguir a entrevista com Espártaco Esmeraldo. Uma continuação da matéria sobre os carros que, sob a custódia da Polícia Civil, são saqueados. Ontem, O POVO contou a história de um Cross Fox que, tomado de assalto em Recife e localizado pela polícia em Fortaleza, foi depenado na Conselheiro Tristão. Rua vizinha a três delegacias e o Batalhão de Choque da PM.
O POVO & Quantos inquéritos foram abertos por delegados para apurar furtos de carros que estão sob a custódia da DRFVC?
Espártaco Esmeraldo & Não tenho conhecimento. Posso pesquisar com a escrivã e dar uma resposta. Sou sincero com vocês, esse inquérito do furto dos cinco pneus do Cross Fox só andou porque vocês mandaram o ofício com o questionário. Como é muita coisa na delegacia, temos de priorizar. Sabia que tinha uma investigação em curso e temos informes de quem foi. Depois disso, desde outubro, não recebi mais nenhuma reclamação de furto dos carros que estão estacionados na rua Conselheiro Tristão (ao lado da delegacia).
OP & Na rua há câmeras?
Espártaco & Não. Aliás, não sei nem se as da delegacia estão funcionando adequadamente.
OP & Existem policiais envolvidos com os furtos dos carros sob custódia da Polícia?
Espártaco & Não posso dizer que tem, não há indícios. Mas não me surpreendo com nada. No caso específico do Cross Fox, não sei. Sei que tem indícios de que o autor do furto dos pneus era uma pessoa que trabalhava na garagem (terceirizado) da delegacia.
OP & É só um ladrão?
Espártaco & Não. A pessoa que vem furtar esses pneus, ela não vai ficar com os pneus pra si. Ela vai vender para alguém. Não é um ladrãozinho ou um morador de rua ou alguém que dorme no albergue (vizinho à delegacia).
OP & Há conivência de policial?
Espártaco & Não tenho nenhuma uma informação no momento. Mas é estranho, porque além de ser próximo à delegacia, as viaturas abastecem perto de onde aconteceu o furto. Quer dizer, é caminho de viaturas, há uma rotina de policiais por ali. (Na rua onde ocorreu o furto ficam localizadas a garagem da delegacia de Roubos e Furtos de Veículos e Carga, a lateral da própria delegacia, a delegacia de Capturas, a delegacia de Acidentes de Veículos e o quartel do Batalhão de Choque).
OP & Quantos carros saem depenados daqui?
Espártaco & Não tenho conhecimento de carro entrar de um jeito e sair de outro. Já vi muitos casos de proprietários reclamarem que os carros chegam aqui (após a localização) sem bateria, sem extintor, etc. Especificamente daqui, só o Cross Fox. Já tive informes, do delegado Wilder Brito, que teve anteriormente um furto de um caminhão daqui. Mas aí não sei se foi feito inquérito. (A escrivã Rosália confirmou a informação e a abertura de inquérito. Descobriram que a quadrilha de um assaltante que estava preso na delegacia, veio à noite e furtou o caminhão da rua Conselheiro Tristão. Houve também um procedimento instaurado contra estudantes do antigo Colégio Cearense que estavam furtando peças dos carros).
OP & Qual o número de carros hoje na rua?
Espártaco & Isso muda todo dia, hoje (na terça-feira, 9/2) temos pelo menos 50. Os localizados e que estão legais, sem chassi adulterado, por exemplo, as vítimas levam. Todo dia sai. Os que estão há mais tempo na rua são carros adulterados que não temos como chegar ao proprietário. O Detran não pode regularizar. As quadrilhas destroem os locais de registro ou cortam partes do veículo. O chassi, o número dos vidros, o número do motor. Há dois meses tinham uma carreta estacionada perto da Casa das Irmãs Cordimarianas (Conselheiro Tristão nº 71) com o chassi adulterado. Esse caminhão era motivo de reclamação dos moradores porque era usado de moradia por marginais. Mandamos para o depósito do Detran, onde existem uns quatro mil carros, em Itapebussu.
OP – O que o senhor achou de mais complicado na DRFVC?
Espártaco & Eu ouvia falar que todo delegado queria vir para cá. Por quê? É uma delegacia que tem muito papel (burocracia), mas também tem a parte operacional. Sabia dos policiais especializados e que estaríamos enfrentando quadrilhas organizadas. Mas o que vejo é que não estamos preparados para enfrentá-las.
OP & A DRFVC tem banco de dados?
Espártaco & Não. Nós temos fotografia (o delegado estava fazendo uma foto de um preso com um celular quando os repórteres chegaram à delegacia). Não existe um sistema tecnológico de cruzamento de informações locais nem com outros estados. Temos uma colaboração com o Piauí. Existem quadrilhas que levam camionetas daqui pra lá e trazem de lá pra cá. O que acontece é que quando um delegado passa por uma delegacia, ao sair, ele leva todas as informações. “São minhas, isso é meu“. Isso precisa mudar.
OP & Há alguma grande investigação em andamento?
Espártaco & Sim. Mas a demanda é grande, quanto mais a gente trabalha menos temos condições de trabalho. Um policial de rua está numa investigação e daqui a pouco eu jogo outra. Umas ficam pela metade. A gente faz alguma coisa, mas não faz o que era o ideal para fazer. Quando o Ministério Público diz que os inquéritos são mal feitos, os delegados ficam chateados. Mas são mal feitos mesmo. Mas por que são mal feitos? Precisamos discutir é isso.
OP – Quantas viaturas a delegacia tem?
Espártaco & Cinco, mas apenas uma em boa condição. O restante é meia vida. É desgastante você estar cobrando o mínimo. Há uma promessa que a nova delegacia, que irá funcionar vizinho ao Detran, será fabulosa. Espero. Você está vendo que numa sala quente dessa, o ar condicionado não funciona. Já mandei vários ofícios. O xadrez é no corredor por onde passam as vítimas e vizinho à recepção. Os presos escutam tudo. Na sala para reconhecimento de assaltantes colocaram o vidro-espelho virado para o gabinete do delegado adjunto. Quando há sessões de reconhecimento, o delegado tem de sair da sala dele para que os presos entrem e as vítimas vão para o lugar onde os presos deveriam ficar para serem reconhecidos. É o samba do crioulo doido.
OP & Quando o senhor chegou aqui, um preso tinha fugido…
Espártaco & Sim. Fomos apurar. Como foi essa fuga se o preso (um estelionatário) estava doente, não tinha nem condições de caminhar? Ele estava acostumado a sair para fazer tratamento de saúde e numa dessas saídas, um policial chegou para assumir o serviço e viu que dos 17 presos estava faltando um. No lugar dele tinha um “boneco“, um monte de pano para simular a presença do preso. Esse policial denunciou e a primeira coisa que fiz foi afastar quem estava de serviço no dia anterior. Tinham aberto um TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência). Não podia ser um TCO, era um inquérito policial e poderia até se ter pedido a prisão preventiva desse policial que ainda estava em estágio probatório. Isso aqui é muito sério, às vezes um pilantra que a gente passa a mão na cabeça dele, ele arma com os bandidos. Eu chamei o cara e disse que ele não trabalhava mais na delegacia. Aí ele veio pra Capturas. Tomar conta dos presos! A gente fica meio assim.
OP & O senhor já indiciou advogado por envolvimento com roubou de veículos?
Espártaco & Não. Aqui, já indiciamos por comunicação falsa de crime. Temos um problema sério que são os veículos ´financiados´. O cara compra e financia o carro em nome de um laranja e, às vezes, paga apenas uma prestação. O automóvel não é roubado e quem vendeu só pode reaver o bem se colocar na Justiça. E o que os advogados orientam aos golpistas? Que ele denuncie que o carro foi roubado. Aí o cara vai e presta queixa e não foi. Indiciei um advogado por isso. Ele infringiu a lei, agiu de má fé. Quer dizer, as pessoas fomentam o crime. Quem vai à feira e compra um som roubado é crime. ”
(O POVO)