
“O ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, 63, ratificou uma decisão histórica na sexta-feira, ao negar habeas corpus ao governador afastado do DF, José Roberto Arruda (s/partido), preso preventivamente desde quinta-feira por determinação do Superior Tribunal de Justiça. É o primeiro caso no país de um governador detido por corrupção durante o mandato.
O mérito da ação, cujo relator é Marco Aurélio, deverá ser julgado pela 1ª Turma (cinco magistrados, incluindo o próprio ministro) ou pelo plenário do Supremo nos próximos dias. Se o habeas corpus for negado, caberá ao STJ a manutenção ou não da prisão de Arruda, investigado pelo mensalão do DEM.
Em entrevista à Folha, Marco Aurélio antecipou seu voto: vai se manifestar novamente contra a concessão imediata do habeas corpus. Por ele, Arruda passará mais tempo na cadeia. Não há prazo para a prisão preventiva. A medida só é suspensa quando a Justiça entende não haver mais riscos de o alvo do inquérito atrapalhar as investigações.
Para Marco Aurélio Mello, os elementos contra Arruda são “contundentes”, não há como surgir fatos novos e é uma “extravagância” dos advogados do governador falar em cerceamento do direito de defesa. O ministro falou de sua casa, no sábado à noite, por telefone.
FOLHA – Por que o sr. negou o habeas corpus ao governador Arruda?
MARCO AURÉLIO MELLO – A base da decisão do STJ foi única. Ele [Arruda] tentou e os demais envolvidos que tiveram a prisão preventiva decretada também tentaram interferir na instrução criminal. Teria, portanto, praticado o crime de corrupção de testemunha e o crime de falsidade ideológica, que são crimes contra a administração da Justiça. Isso é base para a [prisão] preventiva, teor da legislação processual.
FOLHA – Foi uma decisão muito clara para o sr.?
MARCO AURÉLIO – Muito, muito clara. Se pegarmos meus precedentes na turma [do STF], o que não admito é que se parta para o campo da presunção do excepcional, que a pessoa tendo prestígio influenciará a instrução do processo ou obstaculizará a investigação. Tenho votado não admitindo isso. Agora, toda vez que há ato concreto do envolvido que repercute na instrução criminal, eu tenho me pronunciado no sentido da validade da prisão. Foi o que ocorreu nesse caso. A fita do flagrante é bem explícita e também os depoimentos colhidos quanto a essa tentativa.
FOLHA – Foi o caso mais grave dessa natureza com o qual o sr. já teve de lidar?
MARCO AURÉLIO – Olha, há muitos anos eu lido com processos no Supremo, são 20 anos agora em junho [no STF], 31 anos no Judiciário. Evidentemente, nada me surpreende mais. Agora, nesse caso o que verificamos foi o envolvimento direto, o que é lamentável, de um governador praticando um ato que estaria totalmente à margem da ordem jurídica. Sabemos que o exemplo vem de cima. Evidentemente essa não é uma postura que se aguarde de quem está na chefia do Executivo estadual.
FOLHA – Esse caso terá um efeito pedagógico para governantes?
MARCO AURÉLIO – A impunidade leva à irresponsabilidade, ao menosprezo pelo que está estabelecido, às regras tão caras à vida em sociedade. Toda vez que alguém é surpreendido num desvio de conduta, esse fato serve de exemplo e serve de alerta aos demais cidadãos, para que busquem a postura que se aguarda do homem médio, para que mantenham os freios inibitórios rígidos. Nós estamos, como disse na decisão, numa quadra alvissareira. De um lado, temos o abandono de princípios, a perda de parâmetros, a inversão de valores, o dito passa pelo não dito, o certo pelo errado e vice-versa. De outro, as mazelas não são mais passíveis de serem escamoteadas. Elas afloram e aí as instituições pátrias funcionam, a polícia, o Ministério Público e o Judiciário. Isso sinaliza dias melhores para o Brasil em termos de apego às regras.
FOLHA – A decisão final do habeas corpus será dada pela 1ª Turma ou pelo plenário do STF?
MARCO AURÉLIO – O relator, é claro, pode afetar qualquer processo de competência da turma ao plenário, que é o órgão maior. De início, quando falamos em Supremo, imaginamos um órgão único atuando. Mas o Supremo está dividido em turmas. Portanto, com a racionalização dos trabalhos, há maior produção em termos de julgamento. De início, eu levo à turma. Agora, qualquer um dos integrantes pode propor o deslocamento. Quando um colega propõe o deslocamento para o plenário, adiro imediatamente.
(Folha Online)