
“Há um ano e meio, o engenheiro paraense Paulo Fontana, assumiu a nova Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) sob o desafio de conduzir a autarquia, uma vez extinta em 2001, abatida por escândalos de corrupção, e recriada em 2007 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao assumir, em fevereiro de 2008, encontrou o órgão física e estruturalmente “sucateado”. Ele confessa que a burocracia e a falta de pessoal ainda trancam o funcionamento pleno da nova Sudene.
Trabalhando com quadros antigos e reduzidos, as primeiras medidas à frente da autarquia ainda são tímidas. Ele desabafa: “Eu não sou mágico para fazer que a Sudene funcione a pleno vapor sem ter pessoal”.
Engenheiro formado pela Universidade Federal da Bahia, Fontana não tem intenção de ser um mero seguidor do pensamento do economista Celso Furtado, primeiro superintendente e um dos idealizadores do órgão em 1959. Ele deixa claro que pretende, de maneira “cartesiana”, traçar as diretrizes para o desenvolvimento do Nordeste.
Para ele, há dois principais pontos que farão a região deslanchar socioeconomicamente. Primeiro, os investimentos em infraestrutura; em especial, em portos, aeroportos e rodovias. Segundo, a exploração de urânio na Bahia e no Ceará (em Santa Quitéria), prejudicada pela legislação brasileira. “São bilhões de reais enterrados conhecidamente debaixo do solo desses estados”, afirma Fontana. Na entrevista a seguir, feita por telefone, o superintendente da nova Sudene fala dos desafios e das conquistas da autarquia, que parece não recuperar mais a força política de outrora. “Acho que ao extinguir a Sudene, mataram a vaca e deixaram o carrapato”, diz.
O POVO – O senhor ocupou muitos cargos públicos na Bahia antes de assumir a Sudene. Já teve ou tem pretensões políticas de um dia assumir um cargo maior no Executivo baiano?
Paulo Fontana – Trabalhei em muitos órgãos sim. Já fui chefe de gabinete (do Consórcio Rodoviário Intermunicipal da Bahia), diretor do Detran, na Secretaria do Planejamento. Mas eu sempre fui e continuo sendo um técnico. Nunca tive pretensões políticas, nunca fui candidato a nada, nem tenho filiação partidária. Até tenho pavor disso (risos).
OP – Ainda assim, o senhor foi a cota política do ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira (PMDB-BA), que o indicou como superintendente da Sudene….
Paulo Fontana – Toda indicação a um órgão como a Sudene é política. Não tem muito como fugir disso. No meu caso, foi uma indicação do ministro Geddel, que tem um perfil mais de executor, que político. Veja que quando ele tem algum problema, logo chama as pessoas que realmente tenham capacidade de resolver. Geddel tem trabalhado com muita vontade e iniciativa à frente do ministério. Tanto que espero vê-lo, em breve, governador do Estado da Bahia. E ele já disse que quer concorrer. Mas devo ressaltar novamente que sou apenas um técnico, que não tenho partido, nem pretensões políticas (risos).
OP – O senhor está há pouco mais de um ano à frente da nova Sudene e já deve conhecer bem as nuances do Nordeste. Como é que o senhor avalia a atual condição socioeconômica da região?
Paulo Fontana – Vários programas sociais do Governo Federal foram implantados aqui e fizeram com que os nordestinos tivessem uma melhora na qualidade de vida, bem como o aumento de seu poder de compra e passassem a consumir mais. Isso fez com que o Nordeste acabasse crescendo mais que o Sudeste. Mas ainda há, embora menor que anos atrás, um abismo socioeconômico entre estas duas regiões.
OP – E quanto à capacidade produtiva da Região?
Paulo Fontana – O grande problema do Nordeste hoje é que ainda não temos uma boa infraestrutura, não temos uma grande ferrovia, embora esteja em andamento a construção da Transnordestina, ou um grande metrô. Em Salvador, por exemplo, não temos um grande porto. É preciso investimentos em portos, aeroportos, ferrovias, rodovias, enfim em infraestrutura que possibilite a exportação de produtos nordestinos. E de fato é nestas áreas onde estão previstos investimentos pesados.
OP – E quanto à área energética?
Paulo Fontana – Creio que o Nordeste tem um forte potencial na área de energia a se desenvolver, não só a eólica mas também a nuclear. E temos que acelerar mais. Temos potencial de exploração de urânio tanto na Bahia como no Ceará, em Itataia (Santa Quitéria). No caso do Ceará, temos o urânio misturado ao fosfato, que podem ser separados. Então, são bilhões de reais enterrados conhecidamente debaixo do solo desses estados. Precisamos trabalhar para que empresas estrangeiras sejam atraídas para exploração do urânio. Mas nós temos um entrave: não podemos exportar porque a legislação proíbe. Então, fica complicado ir além. A própria Vale está explorando urânio na África e exportando de lá. Então, por que nós brasileiros não podemos ir além? Veja que a China tinha no ano passado 30 projetos de usinas nucleares, em implantação ou quase implantados, e o Brasil indo para a terceira (Angra 3, no Rio de Janeiro). Alguma coisa está errada, não é mesmo? Portanto, temos esse impasse de ordem legislativa, mas espero que em breve, tenhamos uma sinalização do Governo Federal, do Congresso Nacional, para a exportação do urânio.
OP – O senhor fala aqui das potencialidades da região Nordeste, em especial da exploração do urânio, mas e quanto à contrapartida da Sudene no processo de desenvolvimento destas potencialidades? A atuação da autarquia parece ainda muito pequena diante do alvoroço em torno de sua recriação. Qual é o grande entrave hoje para o pleno funcionamento da Sudene?
Paulo Fontana – Foi um primeiro ano difícil de reestruturação, já que a Sudene estava travada. Hoje, eu tenho um problema sério de pessoal. Estou trabalhando com parte do quadro antigo da Sudene. Para você ter uma idéia, no passado eram 3.740 funcionários trabalhando para o órgão. Hoje, temos 150, uma estrutura bem mais enxuta. E a maioria deles com idade avançada, prestes a se aposentarem, portadores de doenças crônicas, o que reduz efetivamente o número de funcionários na ativa. Como ainda não tivemos um concurso público, ainda não temos sangue novo para deslanchar. Eu não sou mágico para fazer a Sudene funcione a pleno vapor sem ter pessoal. Mas estamos nos esforçando.
OP – Mas quando a Sudene terá um concurso para renovar seus quadros?
Paulo Fontana – Ainda não há data, mas esperamos que seja o mais rápido possível. Para se ter uma ideia, temos apenas quatro duplas para vistorias em todos os estados. No ano passado, solicitei ao Ministério do Planejamento um Plano de Cargos e Salários e encaminhei para a Câmara Federal para aprovação de uma estrutura regimental da Sudene. Está no Congresso e precisa ir a plenário. Agora, com relação à estrutura física, que estava sucateada, tivemos que fazer uma reforma, limpeza e pintura da fachada e da parte interna. Estamos fazendo um anexo para reunir com os governadores, que está praticamente concluído. Espero que em 90 dias já possa ser usado para as próximas reuniões.
OP – Então, a Sudene só vai funcionar efetivamente quando tiver um novo quadro de funcionários?
Paulo Fontana – Não, nós já estamos trabalhando. Mas claro com dificuldade. Já estamos, por exemplo, financiando a ferrovia Transnordestina, várias eólicas nos estados. Nós temos um plano para Nordeste, que terminamos relativamente agora. Então, estamos trabalhando em plena carga. Plena carga do que nós temos.
OP – E como está o Plano Regional de Desenvolvimento do Nordeste? O então ministro Mangabeira Unger estava à frente na elaboração do documento “O desenvolvimento do Nordeste como Projeto Nacional”. Em que momento a Sudene entra neste projeto, já que não a encabeçou?
Paulo Fontana – A Sudene estava envolvida e trabalhou casada com o ministro Mangabeira Unger. Participamos de alguma das caravanas que ele fez pelo Nordeste. Também discutimos diretrizes de alguns projetos incubados aqui. Mas agora nós estamos acabando este trabalho para que possamos montar um documento com diretrizes várias, cartesianas, palpáveis.
OP – Por enquanto, a Sudene tem um discurso muito conciliador entre os interesses dos estados nordestinos, mas cada um deles tem interesses econômicos e políticos diferentes. Obras como a da transposição Rio São Francisco geram embates…
Paulo Fontana – Já teve uma mobilização (civil) contrária à transposição do Rio São Francisco. Teve até a greve de fome, mas acabou. Acho que tinha mais interesse político na balbúrdia do que fato de caráter técnico. Mas acho que isso vem de um desconhecimento de fato. Agora, o que eu vejo é que cada líder quer ter o melhor para o seu estado. É natural. Tem uns que preferem criticar, duramente às vezes, mas isso faz parte da democracia. A Sudene entra com este papel de mediar a discussão e articular para a realização dos projetos. Hoje, há reuniões técnicas que precedem as do Conselho Deliberativo, os governadores saem com uma ideia mais trabalhada e mais polida.
OP – O que esta nova Sudene vai fazer para evitar os erros do passado da autarquia?
Paulo Fontana – Todo o batalhão é reflexo do líder. Então, estou aqui para acertar, não para errar. Eu diria que a Sudene não estaria tão ligada à história promíscua que falavam do órgão. Acho que ao extinguir a Sudene, mataram a vaca e deixaram o carrapato. Tinha que matar o carrapato e deixar a vaca. Mas, hoje, temos várias formas de controle que não existiam ou não tinham força há 50 anos. Temos o próprio Governo nos olhando, temos os ministérios públicos. Então, o mais importante é trabalhar com lisura. ”
(Jornal O POVO)