Eis artigo assinado pelo advogado Eduado Pragmácio Filho, vice-presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas do Ceará. Ele aborda o caso da abertura do comércio de Fortaleza aos domingos, o que contina gerando polêmicas. Confira:
A polêmica do horário do comércio
A nova lei municipal que regula o horário do comércio de Fortaleza (Lei 9.452/2009), em vigor desde o final do mês de abril, vem gerando uma série de debates em torno de sua constitucionalidade e, sobretudo, alguns confrontos entre lojistas e o movimento sindical dos trabalhadores do comércio, fatos que vêm sendo constantemente noticiados na grande mídia cearense. Numa primeira análise sobre o tema, pode-se afirmar que o Supremo Tribunal Federal (STF) já pacificou o entendimento de que o município é competente para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial (Súmulas 645 e 419 do STF), por se tratar de assunto de interesse local (CF, art. 30, I).
Uma das questões polêmicas, no entanto, da nova lei fortalezense, reside na falta de critérios legais para se definir o que é um shopping center e, assim, diferenciar “loja de rua” de uma “loja de shopping” em relação ao horário de funcionamento. Existem galerias no centro da cidade, por exemplo, que tanto podem se definir como “loja de shopping” ou como “loja comum”. Quem vai estabelecer tais critérios? O município não pode fixar tais critérios porque se assim o fizer estará usurpando a competência privativa da União de legislar sobre direito comercial (CF, art. 22, I).
Outro ponto polêmico está na submissão à negociação coletiva para que se possa alterar o horário definido na lei municipal. Os acordos e convenções coletivas são reconhecidos pela Constituição Federal (art. 7º, XXVI), no capítulo que trata dos direitos dos trabalhadores, sendo tais instrumentos negociais regulados pelo artigo 611 da CLT, o que a meu ver dá uma feição trabalhista à lei fortalezense, eivando-a de inconstitucionalidade, por contrariar o artigo 22, I da Carta Magna, pois somente a União pode legislar sobre matéria trabalhista, como de fato o fez de forma semelhante com a Lei Federal 11.603/2007, autorizando o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, permitindo a convenção coletiva para autorizar o trabalho em feriados.
Além dessas discussões jurídicas, que já demandam questionamentos no Judiciário cearense, existem alguns problemas de ordem prática e que demonstram a feição trabalhista da nova lei municipal. Imagine-se um shopping center com um mix bem variado de estabelecimentos (farmácias, restaurantes, cinemas, vestuário, supermercados etc.), fato que implica uma variação das categorias dos trabalhadores e consequentemente de sua representação sindical.
Como harmonizar uma negociação coletiva uniforme para um shopping center, no qual participam vários entes sindicais laborais, enquanto esses sindicatos vestem camisa de cor e se recusam muitas vezes a negociar? Como viabilizar o empreendimento de um shopping nessas condições?
Ao que parece, a lei que regula o horário do comércio é fruto de decisão unilateral do governo local e não promoveu o debate prévio, necessário e salutar a uma medida de tamanho impacto social, sobretudo em tempos de crise econômica e de crescimento vertiginoso do desemprego.
Sem olvidar essas questões jurídicas e práticas, o maior problema ao meu ver nesse caso é transferir o poder de negociação aos sindicatos, quando a sexagenária estrutura sindical brasileira ainda tem profundos traços corporativistas, não detém uma verdadeira representatividade dos trabalhadores e, sobretudo, se sustenta vergonhosamente com a contribuição obrigatória da categoria.
Eduardo Pragmácio Filho
Advogado, mestrando em direito pela PUC-SP, Professor da Faculdade Farias Brito, Vice-presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas do Ceará (Atrace).