Com o título “Marcadores ideológicos no Brasil”, eis artigo do cientista político Valmir Lopes, que pode ser conferido no O POVO desta segunda-feira. Ele aborda o tema ideologia e o significado de esquerda e direito neste País de tantas contradições. Confira:
Volto ao tema das crenças políticas e a dificuldade de sairmos do eterno pântano das ideologias. Se alguém lhe disser que as palavras esquerda e direita não estão ultrapassadas, saiba que essa pessoa é de esquerda. Inverti de propósito a anedota. Distinção nascida de uma circunstância histórica, da disposição espacial dos membros da Assembleia revolucionária francesa, os termos esquerda/direita adquiriram vários significados ao longo dos tempos, sendo difícil uma definição aproximada.
No século dominado pela crença no progresso, o termo esquerda era sinônimo de progressista e direita, retrógrado e reacionário. Ocorre que existe uma esquerda regressista e nacionalista, daí a confusão.
A identificação da esquerda com a luta pela igualdade baseia-se na crença implícita no progresso da humanidade em direção à justiça.
Estado e mercado são usados como marcadores para distinguir posições de esquerda e direita. A esquerda teria mais simpatia pelo uso do Estado como meio para realização dos seus valores.
Coincidentemente, o mesmo também ocorre com os conservadores; pois a direita acredita que o mercado é um instrumento adequado para criação e também de alocação das riquezas produzidas na sociedade. Nesse caso, estamos falando de pensamento liberal. Mas somente o liberalismo clássico, predominante no século XIX, acreditava na perfeição do mercado como instrumento capaz de realizar objetivos sociais. Quase nenhum liberal descrê da necessidade do Estado como agência de regulação. A diferença é mais sobre dose e objeto dessa regulação, não sua inexistência.
Persiste ainda a ideia de associação da esquerda com a luta pela igualdade e da direita como defensora das liberdades individuais.
Contudo, mais importante: essa distinção é válida para pensar eleições? Esta não teria outro marcador mais significativo, que possa indicar exatamente as estratégias usadas para se obter a vitória eleitoral? Mesmo não tendo nenhum conteúdo ideológico definido, os termos ajudam seus adeptos a encontrar uma trilha cômoda no mundo tão complexo.
No período imperial brasileiro, dizia-se que os liberais identificavam os problemas e os conservadores tratavam de encontrar a solução mais adequada e realista. Oliveira Viana, o teórico sistematizador do pensamento autoritário brasileiro, propôs a distinção entre duas formas de idealismo que serviram às elites políticas brasileiras pensarem a realidade e projetar soluções. Quando a distinção entre idealistas utópicos e idealistas orgânicos foi feita, pensava a política como realmente existe, como os atores políticos se movimentam e as decisões são tomadas.
Enquanto os utópicos são motivados por convicções, deixando de lado os aspectos dos meios e as consequências da realização dos objetivos, os orgânicos são mais atentos aos objetivos, aos meios disponíveis e às consequências dessas crenças. Atualmente, a forma de pensar do idealismo orgânico pode ser entendida como sendo a tradição do conservadorismo-autoritário e o idealismo utópico aquilo que chamamos de liberalismo ou liberalismo-democrático. Na vida real, essas duas mentalidades adquirem tons diversos e confusos, incoerentes nas organizações partidárias existentes. Mesmo considerando sua redução abstrata, essa classificação ainda nos permite melhor medir as tonalidades das posições políticas, dispensando a querela esquerda-direita, vazia de conteúdo.
*Valmir Lopes
lopes.valmir@gmail.com
Cientista Político e professor da UFC