Com o título “A inconsciência manifesta”, eis artigo do jornalista e sociólogo Demétrio Andrade. Ele aborda pesquisa feita junto aos manifestantes da avenida Paulista (SP), do dia 12 de abril último, e seus “disparates conceituais”. Confira:
Como diria Camões, “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades/Muda-se o ser, muda-se a confiança/Todo o mundo é composto de mudança”. Por conta de minhas experiências no movimento estudantil e sindical, sempre reforcei a importância das manifestações de rua. Porém, desde 2013 que, confesso, passei a não entender direito o que a massa reivindicava.
Como observador da política, sempre dei palpites. Mas o clima de ódio estabelecido desde a última campanha presidencial dificulta análises mais racionais. Desta forma, vi com grande interesse o levantamento estatístico realizado com os participantes da manifestação do dia 12 de abril, sobre confiança no sistema político e fontes de informação, coordenada por Esther Solano, professora de Relações Internacionais da Unifesp, e pelo filósofo Pablo Ortellado, da USP.
Foram 571 entrevistas com manifestantes maiores de 16 anos, entre as 13h30min e as 17h30min, aplicadas por pesquisadores distribuídos por toda a extensão da Avenida Paulista, com margem de erro de até 2.1 %. Dados com base em amostras confiáveis servem para dar parâmetros mais próximos da realidade aos comentários. Mas os resultados são assustadores. Antes, para mim, “ir pra rua protestar” era sinônimo de consciência crítica. Mas, como avisara o poeta português, as coisas mudam.
A pesquisa pegou frases aleatórias – e absurdas –, retiradas da Internet, tais como: “O PT quer implantar um regime comunista no Brasil”, “O Foro de São Paulo quer criar uma ditadura bolivariana no Brasil”, e “O PT trouxe 50 mil haitianos para votar na Dilma nas últimas eleições”. E perguntou aos entrevistados se eles acreditam nelas. Ao menos metade dos manifestantes disse que sim.
Segundo a pesquisa, 26,6% deles disseram confiar “muito” nos conteúdos compartilhados via WhatsApp e 47,3% no Facebook. Ou seja, boatos e desinformação ganharam um reforço enorme com as mídias digitais. Paralelamente, 78,6% afirmaram “confiar pouco” ou “não confiar” em fontes de informação tradicional. Por pior que seja a imprensa, há pelo menos, no jornalismo, uma preocupação em apurar dados e usar técnicas básicas para divulgar notícias. Coisas que as mídias sociais não fazem.
Quase todos disseram não confiar em partidos e/ou políticos. Mesmo Aécio Neves, principal figura da oposição, tem a confiança de somente 22% dos participantes. 76% não confiam em movimentos sociais. No item “comentaristas políticos”, os que se expressam pela mídia impressa são amplamente desconhecidos. Raquel Sherazade, âncora do telejornal do SBT, é a jornalista mais crível pela maioria. Entre outros impropérios, ela defendeu o fim do Estado laico, os disparates preconceituosos do pastor Marco Feliciano (PSC), o linchamento e morte de um menor e as agressões do deputado federal Jair Bolsonaro (PP) à parlamentar Maria do Rosário (PT).
Falando em preconceito, o termo “elite branca” sempre me incomodou. Porém, metade dos pesquisados declarou ganhar mais de R$ 7.880. 80% tinham nível superior completo ou incompleto e 77,4% se declararam brancos. Ou seja, a expressão não era juízo de valor: as classes média e alta de São Paulo deram corpo às manifestações. Pelo que se pode verificar, é uma massa absolutamente apartada da realidade, sem qualquer preparo político e sem ter sequer consciência das razões pelas quais estão ocupando as ruas. Faz parte da democracia. Mas que é triste, lá isso é.
* Demétrio Andrade
Jornalista e sociólogo.