Com o título “O uso de marcas esconde insegurança cultural”, eis artigo do jornalista e sociólogo Demétrio Andrade, que estava curtindo férias. Ele volta a participar do Blog abordando consumismo e, principalmente, marcas que direcionam para o bem ou para o mal. Confira:
Nada contra marcas. Elas estão presentes em praticamente tudo. Como profissional e professor de comunicação, aliás, tenho de reconhecer a importância das mesmas numa sociedade de mercado. Não é disso que trata este texto, ou seja, não espere um ataque ou uma apologia às marcas no vestuário, meios de locomoção, esportivos etc. O que me preocupa é a nossa relação com elas.
No meu caso, mesmo não tendo um perfil consumista, caso vá adquirir qualquer coisa que resvale num terreno ignorado, procuro verificar quais são as marcas reconhecidas. É uma forma de orientação. Sempre tenho o cuidado de, por exemplo, antes de adquirir um livro estrangeiro, verificar se foi impresso por uma boa editora e de quem é a tradução. Marcas. Na avalanche de produtos eletrônicos, ao se tentar comprar um notebook é necessário saber qual é a configuração ideal e se a máquina foi montada em fábrica confiável. Marcas.
Elas direcionam o consumo, para o bem e para o mal, desde que o mundo é mundo. Espartanos tinham a marca de serem excelentes guerreiros. Gregos e alemães de serem grandes filósofos. E por aí vai. Mas alguns exageros me preocupam. Ninguém, claro, é obrigado a saber sobre tudo. Porém, a falta de alguns saberes, que julgo elementares, retira das marcas seu potencial orientador para usá-las como um escudo para esconder a insegurança e se afirmar socialmente. E isso é triste.
Há calças jeans de 30 ou 300 reais sem qualquer diferença em termos de qualidade, seja no tecido, no corte ou na costura. A diferença de valor a mais se estabelece simplesmente porque é uma grife de renome. Repare: além do já repetitivo tema do “uso a marca mais cara porque posso”, há uma estratégia evidente de escamotear – paradoxalmente às claras – uma atitude que o senso comum chamaria “de otário”, por pagar mais caro, porque quer, num bem que poderia ser encontrado por 10% do valor.
No campo cultural é ainda pior. Na música, o sucesso de alguns estilos e artistas só se justifica porque eles acabam virando marca. Atraem seguidores aos milhares porque muitos não querem ficar “de fora” e anseiam por mostrar aos outros que também admiram aquilo, mesmo que, do ponto de vista qualitativo, seja uma grande porcaria. Talvez seja por isso que nunca encontrei alguém com paredão de som amplificando jazz, Tom Jobim ou Beethoven. Quem de fato conhece as coisas, não cai nesta esparrela. Em outras palavras, não basta conhecer as marcas, mas saber julgar a qualidade de cada uma delas.
* Demétrio Andrade
Jornalista e sociólogo
demetriofarias@gmail.com