Com o título “A Imprensa envergonha as Instituições?”, eis artigo do jornalista e sociólogo Demétrio Andrade. Ele coloca em xeque o fato de os meios de comunicação valorizarem mais os escândalos e pouco operam pela valorização dos entes públicos. “Não tenho receio de afirmar que a Imprensa precisa rever suas práticas de forma urgente. Sua obsessão em ser a palmatória da humanidade elevou os índices de desconfiança em relação às instituições – inclusive ela mesma – a níveis insuportáveis.” Confira:
O Índice de Confiança Social (ICS), medido pelo IBOPE Inteligência, mostrou uma triste realidade nacional: a desconfiança dos brasileiros nas instituições em geral e nos grupos sociais. O próprio Ibope se apressou em avaliar que a queda nos percentuais refletiu o atual momento de protestos e críticas que ocorrem pelo país. Nas manifestações de 2013, era comum a rejeição a partidos, sindicatos, associações e quaisquer tipos de representações políticas. Isso é bem triste.
As 18 instituições avaliadas no ICS vêm de diferentes setores da sociedade brasileira, no âmbito público e privado. Houve queda na confiança em relação a todas elas. A Presidência da República, caiu de 63 para 42 pontos, numa escala que vai de 0 a 100, em relação a 2012. Ainda assim, a Presidência fica em 11º lugar no ranking, com resultado melhor do que o Congresso Nacional e os Partidos Políticos, que continuam ocupando as últimas posições com 29 e 25 pontos, respectivamente. Os Sindicatos ficaram com 37 pontos. A Justiça com modestos 46, pior que a Polícia, com 48. Prefeituras, 41. As Igrejas, em 2º lugar, aparecem com 66 pontos, mas caíram 10 pontos comparadas à nota de 2009.
O mito da cordialidade dos brasileiros, reforçado pela obra “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda, ganha força. As instituições do nosso entorno pessoal continuam bem avaliadas e mantendo 90 pontos desde 2009. Amigos aparecem com 67 pontos, também sem queda alguma. Isso é péssimo para a democracia. Em resumo, continuamos a cultuar a vida privada em detrimento do interesse público. Nossas avaliações não adotam, a priori, o critério da impessoalidade, por exemplo, que é uma conquista da boa política.
Em outras palavras, cobramos que um concurso público, por exemplo, adote critérios impessoais de seleção e nos revoltamos quando sabemos de casos nos quais a indicação ou o parentesco favorecem alguns privilegiados. Mas, pelo visto, o que o brasileiro quer mesmo é poder ser um destes indicados, a partir de laços de amizade ou de família.
Além da conjuntura extremamente crítica, permeada de intensos debates políticos, agora apimentados pelas redes sociais, há um outro vilão nesta história: a Imprensa. Nunca foi tão forte nos Meios de Comunicação a tese de que o que dá audiência é a notícia negativa. Quando se trata de política, o bom projeto de lei, o debate mais aprofundado, a obra que beneficia milhões de cidadãos nunca têm o mesmo destaque que é dado aos casos de corrupção e escândalos, aos acordos politiqueiros, aos atrasos na entrega nestas mesmas obras.
É óbvio que são funções básicas da Imprensa fiscalizar e denunciar o que está errado, investigar o que é obscuro, mostrar a realidade com crueza. Mas acredito que já há algum tempo as manchetes extrapolaram os limites do razoável. A desgraça alheia é vitrine em programas policiais, denúncias são publicadas sem a devida checagem dos dados, reputações são destruídas sem provas, acusações são feitas sem escutar todas as partes envolvidas. Não à toa, os próprios meios de comunicação de massa registraram uma queda de 71 pontos, em 2009, para 56 em 2014, nesta mesma pesquisa.
Não tenho receio de afirmar que a Imprensa precisa rever suas práticas de forma urgente. Sua obsessão em ser a palmatória da humanidade elevou os índices de desconfiança em relação às instituições – inclusive ela mesma – a níveis insuportáveis. Existem, pasmem, boa práticas governamentais, equipamentos policiais que funcionam, políticos honestos e partidos políticos que mantém fóruns de discussão internos e disputam ideologias e visões de mundo.
É aconselhável que isso volte a virar notícia. Não somente porque são fatos, mas porque a credibilidade só consegue sobrevida a partir de bons exemplos. A força da democracia e da efetiva participação política da sociedade depende também da partilha de boas novas. Caso contrário, o que vai aflorar será mais cinismo e ironia – parceiros da violência – comuns no discurso de aproveitadores medíocres que teimam em reivindicar para si a imagem da pureza imaculada, quando na verdade são vestais da ignorância e do ódio.
* Demétrio Andrade,
Jornalista e sociólogo.