Com o título “Criminalidade: Repressão e Medidas Sociais”, eis artigo do advogado e professor Leandro Vasques. Ele aborda experiências bem sucedidas em Nova York e em Bogotá no plano do combate à violência por meio de investimento em melhorias no plano social. Confira:
Com a violência urbana assumindo contornos de verdadeira epidemia, parece compreensível que o tema “segurança pública” passe a agitar as manifestações nas diversas instâncias de mídia, seja nas redes sociais ou nos programas de rádio e de televisão. Sempre que o clamor público focaliza um crime brutal, notadamente se praticado por um adolescente, instauram-se acaloradas discussões acerca do recrudescimento das tenazes penais, passando, obrigatoriamente, pela redução da maioridade penal e por soluções eminentemente repressoras. No entanto, impõe-se apreciar tais manifestações com cautela e sobra de reserva.
Costuma-se invocar, ainda que de maneira camuflada, a respeito do movimento político-criminal concebido pelo então prefeito nova-iorquino Giulliani, denominado como “tolerância zero”, o que deve gerar sérias preocupações e detidas análises.
Consoante registra o Prof. Luiz Flávio Gomes em artigo intitulado “Assassinatos em série de mendigos: tolerância zero ou crimes do ódio?” a “onda tolerância zero” tinha por escopo “varrer as ruas da cidade, limpar o lixo da rua” – a prática fez ver que se incluíam naquele “lixo” os mendigos, prostitutas, homossexuais vadios, bêbados, menores abandonados, drogados e emigrantes ilegais. Alegavam os defensores da “tolerância zero” que “a origem da violência urbana e da insegurança pública residiria nos pequenos delitos bem como nos desvios de pouca monta” (ob.cit.), daí porque surgiria a necessidade de adoção de “medidas repressivas duras, assim como o encarceramento de boa parte desses excluídos” (ob.cit.). Portanto, para aquele modelo “o excluído econômico-social tem que ser excluído uma segunda vez: da convivência social”, pois, para o modelo, ele é um lixo e, por isso, deve ser varrido. Averbe-se que por considerável tempo, o modelo “tolerância zero” repercutiu positivamente: recrudesceu as estatísticas da criminalidade, alimentou a população de uma sensação de segurança…o prefeito obteve a reeleição e afamou-se mundialmente.
Ocorre que, como ressalta o professor Luiz Flávio Gomes no aludido artigo, “um dos fatores mais relevantes (para o sucesso do empreendimento) e que quase nunca é noticiado foi a fortuna (incalculável) gasta pelo poder público com o aprimoramento da estrutura policial, aumento de salários, construção de centros de lazer para crianças e adolescentes, escola para todos, empregabilidade quase total dos desocupados etc…” (ob.cit.)
Curiosamente não se divulga a montanha de milhões de dólares que a prefeitura de Nova Iorque precisou investir nos bastidores do programa “tolerância zero”, especialmente na área social. Forçoso é reconhecer que muitos políticos esquecem que são emergenciais as adoções de severas medidas na seara social (educação, lazer, habitação etc). Urge a tomada de providência que enfrentem as causas da criminalidade, e não medidas paliativas (e “simpáticas” ao eleitorado) de mero ataque às consequências.
Por outro lado, além do modelo de Nova Iorque, inserida no país mais rico do mundo, vale mencionar a experiência das cidades de Bogotá e Medellín, na Colômbia, que se tornaram verdadeiros laboratórios para a prevenção da criminalidade, mesmo situadas em um contexto de economia ainda em desenvolvimento. Paralelamente às ações coercitivas, de capacitação dos profissionais de segurança pública e investimentos em infraestrutura policial, adotaram-se múltiplas medidas sociais: ruas foram asfaltadas e iluminadas, praças foram recuperadas e escolas e postos de saúde foram construídos nas áreas mais vulneráveis.
Dessa forma, conclui-se que a criminalidade não pode ser enfrentada apenas por meio da repressão policial, a qual deve ser combinada com massivos investimentos no setor social, em que estão as verdadeiras raízes do problema.
* Leandro Vasques,
Advogado criminal, Mestre em Direito pela UFPE, Professor de Direito Penal da Unifor, Diretor-tesoureiro da Caixa de Assistência dos Advogados do Ceará e membro titular do Conselho Penitenciário do Estado do Ceará.