
Em artigo publicado na edição deste sábado (17), no O POVO, o médico, antropólogo e professor universitário Antonio Mourão Cavalcante avalia a época natalina como indústria de consumo e ausência do sentido do nascimento de Jesus. Confira:
Porque é Natal, o coração do ser humano parece mais sensível. Porque existem luzes piscando, há um anúncio de vida. Enfeitamos a cidade na perspectiva da espera.
Enquanto isso, o que fazemos de nossas crianças? O que podem sonhar os nossos adolescentes? As estatísticas falam que muitos morrem como expressão de uma violência bestial. Parece que estas luzes e este espírito mais sensível não se abrem aos que, entre nós, ainda crescem e são nossos filhos.
Quando jovem, eu escutava muito: “você é a esperança e o futuro de nosso país. A nação espera muito de sua juventude, tesouro maior dessa terra.” Talvez fosse uma ilusão.
Hoje, a expressão de pavor quando vemos um jovem significa que ficamos com medo de nosso futuro. Eles devem sentir que não lhes propomos projetos nem sonhos maiores.
Por isso, me invade um sentimento de tristeza quando vejo estas estrelas piscando nos quatro cantos da cidade. Elas não são expressão de alegria e expectativa de boas vindas. Mostram muito mais o interesse do comércio em faturar bem. Vender mais. E, aguçar, em nossos corações, a culpa do presente não trocado. Do presente não comprado. Da mercadoria não consumida…
E os jovens, como veem e vivem o Natal? Eles compreendem estas estrelas que piscam com algum alento? Da parte deles percebo um certo desdém. Nem ousam perguntar que festa é essa? E, por que, nós adultos, falseamos tanto nessa época?
As empresas e repartições, que passam o ano inteiro em disputas e inveja disfarçadas, fazem festas de confraternização e trocam presentes com amigos secretos. As famílias que pouco conversam ou minimamente se entendem montam banquetes com mesa farta. Maria, a mãe do tal menino que a gente comemora o nascimento, era uma jovem adolescente. Ela aceitou o desafio de receber Deus em forma de homem. Ela foi uma jovem cheia de graça. O que está reservado para as Marias de hoje?
Correndo diante dos carros parados no semáforo, a criança olha para dentro do automóvel, estende a caixinha de papelão, balança o braço e pergunta: cadê o meu presente?