Com o título “Transplantes e doação de órgãos no Ceará e no Brasil: vamos bem?”, eis artigo do médico Juan Mejia, coordenador do Serviço de Transplantes de Coração do Hospital de Messejana. Para ele, não adianta só a família doar, mas garante o funcionamento adequado do órgão no transplantado. Confira:
Nos últimos anos, os índices relacionados à doação de órgãos no Brasil apresentavam ascensão. Os números melhoravam de forma surpreendente. Em 2007, tínhamos um índice de doação de órgãos por volta de 6,5 por milhão de habitantes. Em 2015, este número já era de 15 doações por um milhão de habitantes. Era um resultado interessante, porque mostrava um trabalho contínuo e sustentável em relação a este tratamento tão importante, o transplante, como parte do tratamento das doenças em fase avançada, dos diferentes órgãos.
Mesmo assim, naquela época, chamávamos atenção para um fator: embora o número de doações de órgãos crescesse, isso não refletia num aumento efetivo no número de transplantes dos órgãos intratorácicos, principalmente do transplante cardíaco. Existia uma desconexão entre esse aumento real das doações e a falta de um aumento efetivo do transplante cardíaco. Para termos uma ideia, de um número total de doadores efetivos no Brasil, apenas 10% são utilizados para o transplante cardíaco e 5% para o transplante pulmonar. Eram, e continuam sendo, situações que nos preocupam.
Também nos preocupa a baixa efetivação das doações de órgãos em relação ao número de notificações de casos de pacientes com morte encefálica. De janeiro a junho de 2016, segundo dados oficiais do Ministério da Saúde apresentados pela Revista da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), foram notificados no Ceará 298 casos de pacientes com morte cerebral, com todo o potencial para a doação de órgãos e tecidos. Desses, apenas 102 viraram doadores. E desses 102, apenas 14 foram doações de coração, que foram transplantados. Ou seja, nossa taxa efetiva de doação de coração é de 14%. Nos EUA, esta taxa é de 40%.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza que deveríamos ter entre 6 a 8 transplantes cardíacos para cada grupo de um milhão de pessoas. A média brasileira é de 1.5, e, no Ceará, com uma Central de Transplantes atuante, este índice é de 3.4.
O Ceará e o Brasil estão muito longe de atingir bons números quando o assunto é doação de órgãos. Isso acontece por causa da negativa familiar para a doação de órgãos, das condições de saúde adequadas do doador e da falta de estrutura do nosso sistema de saúde. Isso é muito preocupante!
E como poderíamos melhorar estes índices de aproveitamento de doadores, preferencialmente para o transplante cardíaco? O transplante cardíaco precisa de uma seleção exigente em relação às características do doador. Não adianta só a família doar. Precisamos ter certeza de que este órgão funcionará adequadamente quando implantado no peito de um receptor que aguarda por este órgão. No Brasil, à exceção de São Paulo, temos uma carência em relação à transmissão de informações relacionadas à situação clínica dos doadores. É preciso saber a respeito do doador: pressão, temperatura, exames de laboratório, imagens, ecocardiografia, para poder saber se este órgão poderá ser retirado para ser muito bem aproveitado, e não provocar uma situação de risco para o paciente que precisa do transplante.
Por isso, precisamos de um sistema de transferência de dados on-line para todo o Brasil, para todas as equipes de transplantes do País, que deveriam estar conectadas em rede. Esta é uma reivindicação não só do Ceará, mas um desejo de todas as equipes de transplantes de todos os estados do Brasil.
*Juan Mejía
mejia.juanc@gmail.com
Cirurgião cardiovascular; coordenador cirúrgico do Serviço de Transplantes de Coração do Hospital de Messejana.