Com o título “Segurança pública e democracia”, eis artigo do jurista Martonio Mont’ Alverne, que pode ser conferido no O POVO desta terça-feira. uma reflexão sobre agentes da segurança, rebeliões e estado de direito. Confira:
A recente greve no sistema carcerário do Ceará deixou grandes feridas. A mais dolorosa delas parece ter sido aquela a atingir nossa democracia. Sem democracia não há como serem bem-sucedidas as políticas sociais, que são no mundo inteiro a mais eficiente contra criminalidade. Claro que não se exterminam crimes de qualquer sociedade; mas políticas sociais eficazes comprovadamente reduzem a criminalidade a patamares civilizados, sobretudo onde se prova a máxima hegeliana de que a liberdade somente se realiza no estado: retire-se – ou enfraqueça-se – o estado, vivenciaremos a lei do mais forte, do mais poderoso.
Numa democracia quem porta armas não pode ter autonomia. Basta dizer que a Constituição Federal sequer concedeu autonomia à mais importante parcela armada da sociedade: as Forças Armadas, que somente agem sob comando da Presidência da República, ainda assim com confirmação do Congresso Nacional.
Como imaginar que polícias, agentes prisionais etc. possam vir a ter autonomia ou utilizar-se de suas funções para a suposta defesa de seus interesses enquanto servidores públicos? Relativamente à recente “greve” dos agentes prisionais no Ceará, como aceitar que estes recorram às prerrogativas de suas essenciais funções para voltar-se contra o poder público, associando tumultos provocados nas penitenciárias ao sucesso do movimento grevista, como divulgou o presidente de seu sindicato?
Qualquer cidadão brasileiro sabe da situação do sistema carcerário brasileiro, que derivou em conhecida decisão do STF sobre o “estado de coisas inconstitucional”, e sabe igualmente que alguns governos estaduais têm agido de forma sincera na busca de melhoria deste quadro, além de se mostrarem abertos a entendimentos possíveis com as reivindicações de servidores. O que é incompatível com democracia é que se utilize a própria democracia para destruí-la; que alguém venha a tornar-se juiz de si mesmo, utilizando suas prerrogativas para enfraquecer o que é de todos, ou seja, o estado dirigente que (ainda) temos no Brasil.
Quando setores da segurança pública agem sem comando, sem obediência à autoridade eleita pela disputa democracia não é somente o sistema democrático a correr o risco: é a própria segurança pública que pode vir a ser sua própria vítima, como a história bem registra tantas vezes.
*Martonio Mont’ Alverne
martoniobarreto@gmail.com
Presidente do Instituto Latino-Americano de Estudos em Direito, Política e Democracia (ILAEDPD).