
Com o título “Ainda sobre Juan”, eis artigo de Waldemir Catanho, jornalista. Ele aborda o caso do adolescente que acabou morto no bairro Vicente Pinzon numa operação desastrada da Polícia Militar. Confira:
Ouvi alguém dizer: “Ainda bem que meus filhos não andam nesses lugares… Eles só andam em canto tranquilo, seguro. E quando dá a hora de vir, eu mesmo vou buscar. A mais velha? Ah, essa não precisa. Já tem o carro dela. Mas ela também só anda em canto bom…” A criatura falava de Juan Ferreira dos Santos, 14 anos, morto com um tiro na nuca, na Praça do Mirante, Vicente Pinzón, na última sexta, 13/09. Falava quase que dando lição a quem quisesse ouvir.
Fiquei pensando que alternativas teriam as dezenas de milhares de pais das centenas de milhares de Juans que criam seus filhos no Vicente Pinzón, no Canindezinho, no São Cristóvão ou no Vila Velha. Mandar todos para o Iguatemi? Ao invés da praia, o beach park? E se for pra comer fora? Todos à varjota? E o Colosso Lounge?
A Praça do Mirante, onde Juan teve a nuca perfurada por um tiro, era pra ser tão segura quanto qualquer lugar desses. Era lá que ele brincava, paquerava e zoava com colegas que conhecia desde pequeno.
Professores, colegas de escola, vizinhos, todos disseram que ele era um bom menino. Mas Juan era preto. Desses, assim com o cabelo feito topete. Tava junto com outros meninos e meninas parecidos com ele. Falando alto, rindo. Para a polícia isso só pode ser atitude suspeita. Daí para o tiro na nuca foi um pulo.
A mesma atitude suspeita da meninada reunida no sarau Bate-Palmas, pelo meu amigo músico Parahyba, onde também num dia 13 desse ano, só que de abril, tiveram ordem de uma viatura da PM de parar com a algazarra de música e poesia que iluminava o Conjunto Palmeiras. Sorte que nesse dia não teve tiro. Só o carão pra ir todo mundo pra casa correndo.
A mesma coisa com aqueles 3 ou 4 meninos, já taludos, de 15 ou 16 anos, usando bonés, camisetas, umas calças frouxas e tênis de marca. Todos também parecidos com Juan: pretos, mestiços ou com cara de índio. Eles, chegando em casa a pé, não escapam de levar um “baculejo” da polícia. Afinal, são sempre suspeitos.
O direito de brincar e rir na praça do bairro, da mãe ver o filho voltar seguro pra casa, do garoto andar onde quiser, sem estar fazendo mal nem a si nem a ninguém, devia de ser garantido a todos. Independente de ser pobre ou rico. Independente de onde moram, de como se vestem, do seu corte de cabelo, da sua cor. Enquanto não for assim, a juventude pobre da periferia vai continuar sendo humilhada por quem devia protegê-la e vamos chorar a morte de outros Juans.
PS: 1) Ao encerrar aqui lembrei de um ditado ouvido muito na infância: “Rico correndo é atleta. Pobre (preto) correndo, é ladrão.”
2) Quem tiver acesso, não deixe de assistir “Olhos que Condenam”, na Netflix. A Minissérie tem apenas 4 episódios tratando do mesmo assunto.
*Waldemir Catanho
Jornalista.