Com o título “A mãe entre tiros”, eis artigo do jornalista e sociólogo Demétrio Andrade. Ele aborda sobre a mãe do jovem Dylan Klebold, um dos autores do massacre em colégio dos EUA, em 1999. Confira:
Dia desses me deparei com matéria – muito bem escrita, por sinal – do The Guardian, postada no Facebook pela amiga Ana Nunes. Assinada pela jornalista Emma Brockes, o texto foi desenvolvido com base em entrevista feita com Sue Klebold, mãe de Dylan Klebold. Para quem não lembra, há 17 anos, em 20 de abril de 1999, dois atiradores planejaram e executaram um ataque à Columbine High School, em Denver, Colorado (EUA), matando 12 alunos e um professor. Um dos autores da chacina foi Dylan, 17 anos, que planejou, com o colega Eric Harris, 18, explodir a escola inteira. Ambos cometeram suicídio depois.
O episódio deixou cicatrizes na memória americana, virou filme dirigido pelo polêmico cineasta Michael Moore, que documentou o evento, que sempre é lembrado quando surgem notícias de massacres em escolas americanas. Após anos de silêncio, Sue resolveu falar a respeito e lançou o livro A Mother’s Reckoning: Living in the Aftermath of the Columbine Tragedy. Ainda sem tradução em português, trata-se de um acerto de contas de uma mãe com sua vida após a tragédia.
Num mundo tomado pelo ódio, onde a pena de morte e da redução da maioridade penal são “soluções” apontadas por uma incômoda maioria para “resolver” o problema da violência, é desafiador ler a reportagem. Verificar o amor inabalável de uma mãe por seu filho e a dificuldade de aceitar toda uma sociedade chamá-lo de “monstro”, após partilhar intensas experiências de carinho e atenção durante toda uma – curta – vida. No memorial para as vítimas de Columbine, lê-se uma frase paradigmática: “a parte mais difícil é ver que eram crianças matando crianças”.
Mais do que isso, é inevitável pensar sobre o nível de cobrança que se abate sobre a família de quem comete tais crimes hediondos, notadamente sobre a figura materna. A expressão “isso é falta de pai e mãe” ou “a mãe não viu isso, não?” vem quase que imediatamente à cabeça. Como não podia deixar de ser, Sue Klebold também foi tomada por tal indagação e perguntou-se, como qualquer mãe, “onde foi que eu errei”. Como ela mesma diz, a mãe, supostamente, “deve saber tudo”.
Meu sogro sempre me lembra a diferença de tratamento que nossa sociedade faz entre pai e mãe: “no Dia das Mães, os cemitérios ficam lotados. No dos Pais, está entregue aos coveiros”. Tal carinho ou reconhecimento tem seu preço. A facilidade com que se culpa a mãe pelos males da humanidade é evidente. E não é só nos estádios de futebol. Admito que é dureza ser mulher neste mundo. Mas, na qualidade de pai, tenho que reconhecer também que ser mãe deve ter um grau de dificuldade ainda maior.
A carga de amor depositada num filho supera qualquer tipo de questionamento e, muitas vezes, cega nossos olhos. Ter um assassino na família, alguém que se ama profundamente, exige um nível compreensão que aniquila, complexifica e resignifica nossos padrões éticos. Pensar no outro que matou, tentar entendê-lo, é tarefa para bem poucos. Exercer o poder do perdão em eventos como este é talvez a maior das raridades.
Sue viu-se frente à frente com o cruel exercício de tentar perdoar não só o filho, mas a si mesma. É inevitável pensar em milhares de mães, aqui mesmo, no Brasil, que precisam administrar esta mesma situação todos os dias. A elas, o testemunho dolorido de Sue Klebold pode parecer uma linha no horizonte deste difícil aprendizado: “o amor não é suficiente”.
*Demétrio Andrade,
Jornalista e sociólogo.
demetriofarias@gmail.com