Com o título “Periferia, subúrbio”, eis artigo do professor e geógrafo José Borzacchiello, que pode ser conferido no O POVO desta quarta-feira. Ele contesta a ideia de que bairro, por ser distante das chamadas áreas nobres, sejam do subúrbio ou da periferia. Para ele, fundamental é congregar a cidade. Confira:
Os bairros mais distantes da área central de Fortaleza formam setores com denominações diferenciadas que revelam quase a mesma coisa, seja subúrbio, periferia, arredores, cercanias ou arrabaldes. Todos possuem forte carga pejorativa e são lidos como lugares subequipados, distantes e destituídos dos atributos característicos dos chamados bairros nobres, ou porções seletas da Cidade. Ser longe, estar distante, não significa ser periferia, ser subúrbio.
Periferia pressupõe sempre a existência de um centro. O conceito de periferia aplicado nos estudos, interpretações e análises das cidades adquire um caráter social, perdendo seu sentido geométrico. O centro corresponde sempre à parte burguesa da cidade, independente de sua localização. A modernização do setor de transportes ampliou a malha das cidades, estendendo linhas de ônibus, de bondes e trens para as áreas mais recônditas, desprovidas de infraestrutura, de equipamentos e de serviços, afastando cada vez mais os trabalhadores da cidade mais urbanizada.
A favela é o enclave dos segmentos sociais mais pobres do Brasil urbano, cujo processo de expansão contrariou o significado geométrico do conceito de periferia. Em muitos casos, a formação de favelas resultou na localização da periferia em pleno Centro.
Em Fortaleza, as primeiras favelas surgiram nas imediações do Centro da Cidade, sendo a do Cercado do Zé Padre uma das primeiras, formada próxima ao cruzamento da avenida Bezerra de Menezes com os antigos trilhos ferroviários. As favelas expressam graves contrastes sociais e denunciam a ausência de políticas públicas voltadas à habitação e aos serviços essenciais como os de educação e de saúde, além dos de saneamento básico.
As favelas cresceram e, em pouco tempo, estavam presentes em todo o território da Cidade, expondo o aumento acentuado da pobreza urbana, destacando-se as do Pirambu, Mucuripe e Arraial Moura Brasil. Os condomínios fechados inauguraram uma nova forma de morar e aproximou, como nunca, o centro da periferia. Um muro, apenas um muro divide mundos díspares, quanto às oportunidades de acesso a todos os serviços. Uma linha separa cidades distintas.
E o subúrbio, como entendê-lo em Fortaleza? Fala-se mais em periferia que em subúrbio.
No Dicionário Michaelis, subúrbio significa região que se segue ao arrabalde e que, embora fora da cidade, pertence à jurisdição dela, ou então, arrabalde ou vizinhança da cidade ou de qualquer povoação. No Aurélio, subúrbio aparece como cercanias de cidade ou de outra povoação. O que vemos em Fortaleza é uma renhida guerra muda no território da cidade.
O uso especulativo da terra urbana transforma a periferia de ontem em bairros sofisticados de hoje, como aconteceu com porções do Mucuripe, Varjota, Sapiranga e muitos outros. Favelas, conjuntos residenciais mal cuidados, condomínios fechados criam a cidade apartada, isolada, avessa à convivência. Na periferia e nos subúrbios, a carência de serviços públicos gera setores que se isolam. Produzimos sob a égide do mercado cidades fragmentadas, partidas. Como uni-las, eis a questão?
* José Borzacchiello da Silva
borza@secrel.com.br
Geógrafo e professor emérito da UFC.