Com o título “Eduardo Cunha é a Geni que os hipócritas de plantão precisam”, eis artigo da responsabilidade do jornalista, professor e radialista Francisco Bezerra. Ele volta a falar no tema que envolve o presidente da Câmara dos Deputados, que está sob ameaça de casssação. Confira:
“A hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude.” François La Rochefoucauld
De tudo que é nego torto/ Do mangue e do cais do porto/ Ela já foi namorada/ Seu corpo é dos errantes/ Dos cegos, dos retirantes/ É de quem não tem mais nada/ Joga pedra na Geni/ Ela é boa de apenhas/ Ela é boa de cuspir/ Maldita Geni. A personagem criada pelo gênio Chico Buarque na “Opéra do Malandro” é para a face dos hipócritas golpe desferido por uma borduna.
A letra descreve, em versos, episódio ocorrido com Geni, um travesti, que era hostilizado em sua cidade. A comunidade, de repente, seu viu ameaçada de ataque de um Zepelim. O seu comandante, que queria tudo explodir, se encanta com os dotes de Geni, que acaba sendo provisoriamente tratada de um modo diferenciado pelos seus detratores. Passada a ameaça, ela retorna ao seu dia a dia normal, no qual as pessoas a ofendiam e a excluíam, revelando o caráter pseudomoralista e hipócrita da sociedade.
A canção teve tal relevância que o refrão Joga pedra na Geni se transformou numa espécie de bordão, indicando como Geni pessoas ou até mesmo conceitos que, em determinadas circunstâncias políticas, se tornam alvo de execração pública, ainda que de forma transitória ou volátil.
A citação da obra magistral do Chico Buarque serve para se fazer um paralelo entre a ficção e a realidade a partir do que assistimos hoje em Brasília. Interessante, muito interessante a situação política do presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha. Todo mundo – governo, oposição e mídia – comenta, nos corredores do Congresso, que o cara é um tremendo 171, “um achacador que vem operando no sistema público desde o final dos anos de 1980”.
No submundo da corrupção, dizem outros, Eduardo Cunha virou é um polvo, dados os tentáculos sobre todos os setores do aparelho estatal. História que vem de longe. Bastar dizer que o deputado desembarcou em 1991 na Telerj, sendo indicado para a estatal de telefonia por nada menos que Paulo César Farias. A figura, já desaparecida do plano físico, desaconselha apresentações. Pois foi esta “vestal” o grande padrinho do Cunha. Certamente, o ainda presidente da Câmara, não precisou fazer com o PC Farias nenhum mestrado em corrupção. O bom, como diz a gíria, já vem do ovo.
Depois de Collor, impichado em 1992, vieram os governos Itamar, Fernando Henrique I e II, Lula I e II e Dilma I e II. Eduardo Cunha passeou serelepe por todo este ciclo republicano de poder e foi amealhando o seu poder através de negócios nada republicanos. Como líder do PMDB, ele sedimentou caminho para os píncaros da glória: presidir colendo colegiado da república. O cara é bom. Afinal de contas, são 513 doutos deputados e um só cargo de presidente.
Disputando com o candidato do governo, deu de braçadas no petista Arlindo Chinaglia. Ganhou a eleição no primeiro turno com sobras de votos. Com ele, o baixo clero havia chegado ao paraíso. Dono absoluto do pedaço impôs ao governo uma agenda legislativa beligerante: a chamada pauta bomba. Com um exército de Brancaleone servil passou a ser cortejado pela oposição destrutiva ao governo. Com ele, o impeachment ganhou aspecto de algo factível e uma bomba no colo da presidente Dilma.
Com tantas provas de corrupção vindas da Suíça, Eduardo Cunha se transformou numa espécie de Geni. Todo mundo passou a atirar-lhe excrementos. Só que como a Geni da música, Cunha tem lá seus encantos e feitiços. Para o baixo clero da Câmara, ele é uma espécie de grande pajé. Para a oposição demotucana, uma bomba armada nos arredores do palácio do Planalto. Para o PT, um incômodo útil no estratagema para evitar o início do fim do governo do PT. Ou seja, tudo que se diga de bom ou de ruim do Cunha pode parecer hipócrita.
Que ele vai cair ninguém tem mais dúvida. A dúvida é de onde partirá o empurrão que o jogara no cadafalso. Como no episódio bíblico de Madalena, o problema é saber quem se atreve a jogar a primeira pedra. Eduardo Cunha é a Geni que os hipócritas de plantão precisam
* Francisco Bezerra,
Jornalista, radialista e professor.