Com o título “Laudato Si”, eis artigo de José Borzacchiello, geógrafo e professor emérito da UFC. Ele aborda a encíclica do Papa Francisco Laudato Si e traz alertas do Vaticano para a realidade cearense. Confira:
Ciente dos graves problemas que afligem a humanidade, o papa Francisco na Carta Encíclica Laudato Si (Louvado Seja), editada em maio de 2015, nos Excertos para reflexão, destaca a questão ambiental, nesse momento cruciante quando o tema das mudanças climáticas assume relevância. Pautado no magistério social da Igreja, o papa registra os avanços dos movimentos ecológicos e mostra que a questão ambiental exige pesquisas, práticas e ações capazes de reverter esse quadro que nos atemoriza.
De um modo geral, quando um tema de ordem ecológico-ambiental é enfocado em sua abrangência global, os fatos são encarados como algo distante, problema dos outros sem ter nada a ver conosco. Ledo engano. Tsunamis, nevascas, terremotos, secas, cheias e outros problemas dizem questão a toda a humanidade. O papa Francisco propõe aos cristãos algumas linhas de espiritualidade ecológica e isso tem a ver conosco, brasileiros, cearenses.
Nosso Estado passa por transformações abruptas que exigem um basta. É hora de se discutir o que está ligado à dinâmica cíclica da natureza e discernir os efeitos das ações, predatórias da sociedade sobre a natureza com suas severas consequências. Gostaríamos que fosse tudo diferente, mas basta sairmos às ruas para constatar inúmeros casos de desrespeito generalizados.
Convivemos e somos coniventes com vários problemas de natureza ambiental, muitas vezes imperceptíveis ou que camuflam nossa consciência crítica. O litoral cearense comprova o que vem a ser ocupação desordenada e invasiva, com frequente descaracterização da paisagem. Vemos nossas áreas de várzeas fluviais ocupadas de forma indevida, extremamente agressivas em relação à natureza à sua volta. Construções suntuosas como shopping centers e belos edifícios ocupam áreas que deveriam ser banhadas pelos rios e lagoas.
Nas serras, especialmente no Maciço de Baturité, a derrubada do pouco de Mata Atlântica que ainda temos dá lugar a construção de condomínios ou enormes residências. Nossos rios secam e o povo sertanejo já não se mostra tão resistente e apela para o carro-pipa. Sucessivos anos de seca alteram a vida de todos, mas no sertão os efeitos são piores.
O desmatamento frequente, a destruição das matas nas cabeceiras dos mananciais e da mata ciliar agravam a situação.
A natureza clama por socorro. O papa Francisco alerta-nos. Nós, de Fortaleza, trazemos nossa água de cada dia de Orós, do Castanhão e, brevemente, será lá do São Francisco. Até quando fingiremos que está tudo bem à nossa volta? De onde traremos nossa sobrevivência? Na Carta Encíclica, o papa Francisco é sábio ao afirmar que “as atitudes que dificultam os caminhos de solução, mesmo entre os crentes, vão da negação do problema à indiferença, à resignação acomodada ou à confiança cega nas soluções técnicas”.
Enquanto isso, em Fortaleza, o lixo suja nossa cidade já tão poluída, que fica inundada com qualquer chuvinha. Seus rios e lagoas, dunas e manguezais agonizam. Até quando vamos fingir que o problema não é com a gente?
*José Borzacchiello da Silva
borza@secrel.com.br
Geógrafo e professor emérito da UFC.