Com o título”Em defesa do transporte público”, eis artigo do jornalista Paulo Renato Abreu, que pode ser conferido no O POVO desta terça-feira. Ele fala do preconceito que muitos ainda sofrem por andar de ônibus. Confira:
Sou um adulto fracassado. Foi o que concluiu uma colega de infância quando me viu dia desses no Conjunto Ceará/Aldeota. “Eu te via postando fotos de viagens no Facebook, fazendo matéria com gente importante, aí pensei que você estava bem de vida”, disse. Tentei me defender, alegando que estou bem: trabalho com o que gosto e viajo sempre que posso. Ela riu.
O choque maior veio quando eu disse não ter pretensão de comprar carro tão cedo. “É assim mesmo, quem mais estuda é quem menos ganha dinheiro, né?”, debochou, achando balela tudo o que eu dizia. Em seguida, desconversou, deu sinal e sumiu. Quase me desculpei por curtir ônibus.
Sei dos apertos, da cotovelada, da insegurança e da caixinha de som criminosa. Mas encontro vantagens em andar de ônibus. Como não gosto de dirigir, é um alívio subir no coletivo e não ter de me preocupar com o trânsito ou onde estacionar. Outra vantagem, essa mais subjetiva, é a riqueza de histórias que uma viagem de ônibus oferece. Já escutei muitos dramas e alegrias.
Busão é também espaço da leitura despretensiosa, de ouvir músicas e de olhar a Cidade. Mas pouco importa tudo isso. A regra é clara: sucesso profissional só dialoga com automóvel próprio. E também com engarrafamento, com espaço para cinco pessoas ocupado só por uma, com ausência de preocupação ambiental e com preguiça de olhar a Cidade do coletivo.
Óbvio que a experiência poderia ser mais segura e mais rápida, com mais faixas exclusivas, aumento da frota e maior diversidade de linhas. Ar-condicionado também é outro convite. O valor da passagem deveria dialogar melhor com a qualidade do serviço, assim como a “conversa” das empresas com a categoria poderia ser mais eficiente, evitando a costumeira greve.
Parafraseando Paulo Leminski, afirmo: ainda vão me prender quando descobrirem que faço parte dessa gente que pensa que ônibus é uma parte importante da Cidade. Pois só quando a gente olhar para os coletivos com olhos de cuidado, o negócio vai andar. Só fugir não vai resolver. Afinal, se todo mundo for “bem de vida” e resolver sair sempre de carro, Fortaleza vai ficar impraticável.
*Paulo Renato Abreu
paulorenatoma@gmail.com
Jornalista do O POVO.