Com o título “Dilma morrendo silenciosamente no pé do boi”, eis artigo de Uribam Xavier, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará. Ele analisa o cenário em que a Operação Lava Jato bate à porta do PT e cada vez mais chegando à vidraça do Planalto. Confira:
Acuado, diante da possibilidade de ser arrolado pela operação Lava Jato, enfrentando grande perda de popularidade e feito um vetusto, Lula, falando recentemente para os petistas, afirmou: “não sei se o defeito é nosso, se o defeito é do governo. Mas eu acho que o PT perdeu um pouco a utopia. Hoje a gente só pensa em cargo, em emprego, em ser eleito”. Essa declaração de Lula lembrou-me o alerta de Habermas feito por ocasião da queda do Muro de Berlin: “quando secam os oásis utópicos estende-se um deserto de banalidades e perplexidade”.
Na recente campanha de 2014, quando Marina Silva ocupava a liderança nas pesquisas de opinião, o PT partiu para o ataque de forma desleal e terrorista. Num debate na TV, Dilma chegou a dizer contra Marina que “sem apoio no Congresso, não é possível ter governabilidade, assegurar um governo estável e sem crises institucionais”. Ora, Dilma ganhou as eleições e, antes mesmo de assumir o mandato, já passou a sofrer derrotas, a perder a estabilidade e ficar sem rumos. O governo Dilma está demonstrando que, no fazer político, a questão da governabilidade não é absoluta e nem pode ser usada para se fazer terror eleitoral.
Pensando apenas na perpetuação no poder, mas não estribada num projeto estratégico para o país, coisa que nenhum partido no momento tem, o governo petista foi cedendo e se imiscuindo cada vez mais entre a lama e o pé do boi. Atualmente, nada funciona em termos de iniciativa política: nem as ações da Casa Civil com Aloizio Mercadante [PT-SP], nem a articulação política com Michel Temer [PMDB – SP], nem a liderança do governo na Câmara com José Guimarães [PT-CE], nem a liderança do PT na Câmara com Sibá Machado [PT-AC], nem via o ministério das comunicações com Edinho Silva [PT-SP]; e os aliados se transformaram em oposição. O aumento dos servidores do Judiciário, contrário à vontade do governo, passou e foi aprovado por 62 votos a zero. Cadê a bancada do PT e os aliados? Conduzido pelo Eduardo Cunha [PMDB – RJ], um dos mais “importantes” aliados do governo, por meio de manobras regimentais, foi aprovado o caminho para redução da maior idade penal.
Durante todo o governo petista, a sua relação com o PMDB nunca foi um mero caso de governabilidade, mas de formação de lealdades privadas por meio de ocupação de funções públicas, liberação de verbas parlamentares e silêncio em torno dos esquemas de corrupção que alimentavam as fortunas de grandes empresas, além dos esquemas de propinas para campanhas políticas. Tratou-se de uma estratégia de desvalorização da participação popular, da privatização da política e da desmoralização de algumas instituições importantes para o desenvolvimento do país, como a Petrobras.
Assistimos rumores de que o vice-presidente da república, que ocupa o cargo de articulador político do governo, deve renunciar ao cargo de articulador político porque não consegue barrar a gula dos aliados pela liberação de emendas e indicação política para cargos no governo.
O segundo governo Dilma segue sem capacidade de iniciativa política: o país enfrenta uma crise econômica que empobrece mais os pobres e a classe média, e robustece a riqueza dos rentistas, por meio de uma política de juros altos, como tentativa de controle da inflação; aliados fazem o papel de oposição; o partido do governo tem uma participação invisível na Câmara e no Senado; e as delações na Operação Lava Jato chegam cada vez mais perto de Dilma e do Lula. Nesse cenário, a única coisa em curso que fez o governo foi anunciar uma política de ajuste fiscal, negada durante a campanha, onde quem paga a conta são os pobres e a classe média, e onde parte do setor produtivo é penalizada. Fica, então, a lição de Alexis Tsipras[Syriza] para Dilma[PT]: “ não sou um ator que faz qualquer papel, fui eleito para atuar contra as políticas de austeridade e não para implementá-las”.
Parte dos aliados de Dilma e a oposição perceberam que seu governo, além de não governar, perdeu a capacidade de reação; e o seu partido, o PT, a capacidade de mobilização da sociedade. Assim, juntando esses fenômenos aos recentes rumos da Operação Lava Jato e, principalmente, com a posição do Tribunal Superior Eleitoral [TSE] em investigar irregularidades nas contas de campanha de Dilma, o que pode resultar na cassação do seu diploma e do vice, eles passaram a trabalhar nos bastidores pelo julgamento de cassação de Dilma. Nesse momento, o governo petista segue arquejante e silenciosamente morrendo entre a lama e o pé do boi. A aposta da oposição e de parte dos aliados é a de que, se Dilma morrer no pé do boi, haverá uma nova eleição e eles voltarão ao poder. Todavia, em hipótese alguma, devemos aceitar um golpe contra o governo Dilma e a execração do PT e da vida política do país. Já uma investigação correta, com fatos apurados, comprovados e transparentes, é o que esperamos das instituições competentes.
Particularmente, acho que não há nada a ser salvo nesse governo, o momento é de criação do novo, de reação ao conservadorismo crescente e de construção de uma nova direção política e moral para o país. Nesse momento, o PT no poder é mais um entrave ao enfrentamento desses desafios do que um aliado. Parte do PT fora do governo poder ser um melhor aliado para os novos desafios de uma oposição de esquerda renovada do que no governo em curso.
* Uribam Xavier,
Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFC.