Com o título “Reforma política num país carente de debate e de diálogo”, eis artigo do professor e sociólogo Pedro Albuquerque. Ele volta ao debate sobre Reforma Política e, em especial, aborda a posição do presidente da Câmara Municipal, Salmito Filho (Pros), contrário ao voto distrital. Confira:
O presidente da Câmara Municipal de Fortaleza, Salmito Filho (Pros), afirmou em reportagem do democrático Blog do Eliomar (http://blog.opovo.com.br/blogdoeliomar/salmito-filho-voto-distrital-e-a-institucionalizacao-dos-currais-eleitorais/) que o voto distrital é a institucionalização dos currais eleitorais. Essa sua manifestação decorreu da aprovação, pelo Senado, do estabelecimento do voto distrital para as eleições de vereador nas cidades de mais de 200 mil habitantes a partir de 2016. Através do mesmo Blog, lhe sugeri que fundamentasse essa opinião tendo em conta sua condição de uma das lideranças mais influentes de nosso estado. E ele o fez, valendo-se de muito boas argumentações.
Em atenção à minha ponderação e sem pretender exaurir a discussão, Salmito Filho observou que o sistema distrital, ao concentrar o voto em porções territoriais da cidade, pode: (1) produzir uma hipertrofia do fisiologismo e do clientelismo (currais eleitorais) em detrimento do fortalecimento do poder republicano do Estado e (2) colocar em cheque a legitimidade de um vereador distrital de legislar para toda a cidade, uma vez designadamente eleito por apenas um distrito, dentre todos os 43 distritos em que, provavelmente, se dividiria geopoliticamente o município de Fortaleza.
O que ressalto como mais importante nessa interação com o Presidente da nossa Câmara Municipal não é tanto e unicamente o conteúdo da sua resposta, mas a resposta em si. O seu gesto abre a possibilidade de diálogo direto como método entre o representante e o representado e expõe a opinião do político ao debate, à crítica, à controvérsia, ao risco da manifestação pública de apoio ou desaprovação.
Isso é não é pouco numa conjuntura em que só se pensa o país, o município e o estado a cada quatro anos, simplesmente em função das eleições. Isso não é pouco num ambiente em que os discensos incomodam e o poder exige adesão. Isso não é pouco num país onde impera, atualmente, a mediocridade do discurso binário que fabrica falsos antagonismos como forma de esconder aproximações e de reduzir a política ao âmbito da disputa eleitoral entre partidos, o que é um viés reacionário. Isso não é pouco em tempo de despolitização da política como meio de diálogo. Isso não é pouco quando a política é judicializada em decorrência da omissão congressual de legislar sobre temas polêmicos, transigindo conforme circunstâncias e produzindo a indiferenciação ideológica e programática dos partidos como forma de evitar adversários. Isso não é pouco num momento em que a representatividade enfrenta uma crise sem precedentes na nossa jovem democracia, com ruas que se enchem de atores sociais sem partidos, sem líderes, sem instituições, mas com evidente mal-estar político.
Tenho opiniões pessoais sobre o sistema de representação, algumas fruto de experiências vividas em cidades que adotam diferentes sistemas. Mas, sinto-me desapegado de minhas convicções para não me tornar escravo delas. Há, contudo, princípios a considerar como o de que o melhor trato da coisa pública é “governar para as peculiaridades”, segundo nosso saudoso municipalista, professor Américo Barreira, o que não induz a descuidar de um projeto nacional. Considere-se de igual modo que a reforma política não é atalho para reparar o deficit democrático de uma sociedade capitalista tão desigual como a nossa. Fato é que não há representação perfeita, ideal ou superior. Ela eleva sua legitimidade quanto mais se adeque às aspirações populares, aos princípios da democracia representativa e participativa e às mudanças experimentadas pela sociedade em que está inserida.
Com isso, quero afirmar que tão importante quanto a defesa de sistemas eleitorais ou de reformas políticas é a forma como as convicções sobre esses temas transformam-se em consensos. O Congresso é o espaço institucional legítimo onde o debate começa a tomar corpo. Falta entrar com mais força nesse processo o ator principal, o eleitor (o povo). E o caminho é o debate aberto, sem restrições, livre de preconceitos, sem o falso moralismo que pretende demonizar interesses de uns e sacralizar interesses de outros. Mas, assumindo a consciência de que há interesses em jogo que preferem manter as regras atuais, enquanto outros buscam reformar parcialmente ou mais profundamente o sistema eleitoral vigente. O importante é que esse debate ultrapasse as fronteiras partidárias e que não seja engessado por interesses corporativos. Nesse sentido, torna-se crucial o papel reservado às lideranças políticas, como é o caso de Salmito Filho, tanto na defesa de suas teses sobre a reforma, quanto no esforço de colocá-las na pauta da sociedade civil através da construção de espaços de diálogos, de disputas de proposições e de construção de consensos.
O fins não deveriam justificar os meios. Na atual quadra da nossa história, os meios têm corrompido os fins, daí a importância dos meios. No que tange à reforma política, os meios deveriam prestar-se, essencialmente, ao propósito final de definição de, pelo menos, uma legislação eleitoral amadurecida, subordinada ao anseio de afirmação de uma democracia intensamente participativa que comporte pluralismos e se faça empenhada na consolidação de uma sociedade suficientemente justa para tornar-se pacífica e fraterna, orgulhosa de si mesma.
* Pedro Albuquerque,
Professor e sociólogo.