Da Coluna Segurança Pública, no O POVO desta segunda-feira (6), pelo jornalista e doutorando em Sociologia, Ricardo Moura:
O avanço na tramitação do projeto que reduz a maioridade penal não foi um episódio isolado ou uma ocorrência fortuita. Trata-se de mais um sinal que teremos um Congresso bastante disposto a endurecer as leis relativas à segurança pública e isso não ocorre por acaso. Antes de abordar a eficácia de tais medidas é preciso observar como a composição de forças foi se construindo para que possamos compreender o cenário em que vivemos atualmente.
A Frente Parlamentar da Segurança Pública foi recriada este ano e conta com o apoio de 294 deputados. Desse total, 21 são profissionais da área (delegados, policiais militares e oficiais das Forças Armadas). A expressiva votação que muitos desses parlamentares tiveram é um indicativo de que o eleitorado abraçou de vez a pauta do combate à violência e da redução da criminalidade.
No fim de março, os deputados da Frente Parlamentar mostraram força ao organizar um Encontro de Profissionais de Segurança Pública, em Fortaleza, para discutir propostas que garantam mais benefícios e condições a quem atua nessa área. A intenção é destravar pautas que se arrastam por anos, como a Lei Orgânica da Polícia Civil.
Em comum aos discursos desses deputados, está presente a noção de que é preciso entrar no mundo da política para que se avance na conquista dos direitos. O líder da Frente Parlamentar, coronel da reserva da PM Alberto Fraga (DEM-DF), sintetiza bem essa nova postura: “A representatividade é importante. Não se falava em política nos quartéis. Tudo que vem da profissão vem da política. Essa ideia retrógrada [de que não se deve discutir política nos quartéis] vem mudando”.
Se a busca por melhorias traz uma lufada de ar fresco aos órgãos de segurança, ao mesmo tempo persiste entre boa parte dos parlamentares que integra essa bancada o ranço da Doutrina da Segurança Nacional, ideologia que ainda permanece viva mesmo após o fim da Ditadura Militar. Nesse modo de ver as coisas, o criminoso é sempre um inimigo a ser combatido e quanto mais duras forem as leis, mais os bandidos ficarão receosos de cometer seus crimes. É por concepções como essas que o mesmo deputado Alberto Fraga disse, em seu discurso em defesa da redução da maioridade penal, que não iria sossegar, como parlamentar, enquanto não acabasse com a impunidade do “menor” que comete crimes. “Menor bandido tem de ir pra cadeia”, acrescentou. E foi aplaudido.
Embora tenham sua lógica, tais concepções pecam pela simplificação da realidade. Como já abordei em uma coluna no ano passado (http://bit.ly/op00082), a ideia de que estamos em guerra contra o crime vai de encontro a um modelo de segurança pública cidadã. Além disso, o pensamento bélico no campo da violência urbana desconsidera a desigualdade social estrutural em que vivemos e, por causa disso, só leva em consideração medidas repressivas contra a violência, com resultados pouco efetivos na interrupção do processo que leva milhares de adolescentes e jovens à criminalidade.
Por fim, chegamos à questão do enrijecimento das leis. Querer aumentar as penas sem levar em conta as fragilidades do nosso sistema punitivo é, como se diz no jargão policial, enxugar gelo. De que adianta uma pena estendida para um assassino que não se consegue identificar e, consequentemente, prender? E a dificuldade em se manter atrás das grades os tubarões que conhecem todos os atalhos para escapar das redes da justiça? Isso sem falar nas organizações criminosas que se tornam cada vez mais poderosas graças à realidade caótica e à superlotação existentes no sistema prisional.
Como se vê, há uma série de tarefas a serem cumpridas na área da segurança pública e o Congresso tem muito a dizer sobre elas. Há outro tanto a ser realizado pelos governos estaduais, União e prefeituras. E há pendências ainda a cargo do Poder Judiciário, como a ampliação das Varas do Júri, responsáveis pelos julgamentos de homicídios. Tudo tem de ser feito ao mesmo tempo e agora. Ficar restrito somente à elaboração de leis mais severas é cair em uma prática nacional recorrente: a de apelar para a medida mais fácil a ser tomada mesmo que sua eficácia seja altamente discutível.