Com o título “Quando nostalgia também é felicidade”, eis artigo do jornalista e sociólogo Demétrio Andrade. Ele propõe você fazer uma lista dos amigos próximos nestes tempos em que até as diferenças políticas andam separando pessoas queridos. Confira:
Quase 23 horas, toca o celular. Minha esposa, dormindo, toma susto. Adryana Santiago, jornalista, me liga, da mesa de um bar qualquer em Fortaleza. “Vou te passar pra uma pessoa que quer muito falar contigo”. Reconheço a voz do Kleber Matos. Falo depois com o Menguele. Fico sabendo que Marlyana Lima e Rebecca Fontes também estão batendo os copos. Colegas da época saudosa do curso de Comunicação Social da UFC. Mesmo noutra vibe, gripado, já no pijama, bêbado só de sono mesmo, fico feliz por ter sido lembrado.
Amanheci com uma sensação boa me corroendo o coração. A gente lembra de coisas vividas – mais boas que más – e agradece por ter passado por elas. Sente que o tempo passou e deixou em nós significados, marcas, sorrisos. Talvez eu seja meio antigo, mas nenhuma rede social da vida me substituiu a sensação de interatividade e intimidade de uma boa roda de amigos em torno de algumas garrafas de cerveja geladas. Nestes tempos de falta de educação, alegria dissimulada e ódio gratuito concorrendo ombro a ombro na internet, palavras alegres e simpáticas soam como água doce no meio do oceano.
Fico pensando como cada um de nós cria vínculos uns com os outros e depois toma caminhos diferentes e meio que abandona a plenitude saudável e subversiva do ócio. Vem trabalho, família, barriga, estresse, dor de cabeça, obrigações de toda ordem. A idade chega, o corpo cobra cuidado, a moda cobra beleza, o médico cobra saúde e a cobra vai fumando as horas e dias que se vão feito fumaça. Mas aqueles momentos do passado ninguém rouba de nós.
Na música “Lista”, Oswaldo Montenegro nos propõe um exercício interessante: “Faça uma lista de grandes amigos/Quem você mais via há dez anos atrás/Quantos você ainda vê todo dia/Quantos você já não encontra mais…”. Sempre fui de poucos e bons amigos. Tive sorte de cultivá-los ao meu redor. Mas aquela galera da faculdade, mesmo não tendo comigo uma relação estreita de amizade, assim de longe, são para mim guardiões de memórias plenas de afetividade, de uma desajeitada descoberta do mundo, cobaias que dividiram comigo a experiência do ajuste de sintonia de um moleque tímido na sua chegada à idade adulta.
Esta importância a gente não tem como mensurar. Não se trata de esquadros ou relógios. É quando nostalgia é sinônimo de felicidade. É só aquela parte gostosa, necessária para sustentar toda uma construção que faz com que, vez em quando, seja possível lembrar-se de algo com um sorriso no canto da boca. Aí, mesmo no meio de todo o chafurdo, você sente, como o Gonzaguinha, que “é bom dizer viver, valeu”.
Fica então meu abraço apertado em todos: os que ligaram ou não, os que sumiram e os que cresceram. Dei-me conta que um dia, quando não estiver mais por estas bandas, minha história será contada também por vocês. Talvez até inventada, de preferência entre risos, como parte do esporte preferido dos seres humanos: o de falar da vida alheia. Só um detalhe: em caso de encontros no futuro, liguem cedo. Ao invés de me acordar, a gente pode ir beber junto.
* Demétrio Andrade
Jornalista e sociólogo.