Com o título “Um ciclo que se encerra”, eis artigo do jornalista Luís-Sérgio Santos. Ele aborda o fim do ciclo de dois governos liderados por Cid Gomes (Pros) no Estado. Ele aborda principalmente um Cid político e sua arte de fazer e desconstruir alianças e de ser surpreendente, ao ponto de bancar o PT em seu lugar no trono. Confira:
Em menos duas semanas encerra-se o ciclo de dois governos consecutivos liderados pelo governador Cid Ferreira Gomes. O Ceará viveu, neste período, um intenso ciclo de desenvolvimento e viu o jovem Ferreira Gomes se impor como uma sólida liderança não sem muitas vezes assumir o enigmático papel de esfinge ao esgrimar silenciosa e friamente até levar interlocutor à asfixia.
Cid jogou o jogo político e contratou todos os riscos possíveis ao preço do próprio desgaste — conjugou exaustivamente o dito “não se faz omelete sem quebrar ovos”. Para dar forma às suas propostas construiu alianças, desfez alianças ou, mais que isso, deixou-as romperem-se pela tática da asfixia. Ansiedade, tão inerente à insalubridade que rodeia a atividade política, parece não fazer parte da sua prática — pelo menos não é perceptível ao olhar público. Olhar público porque, como disse o poeta Caetano, “de perto, ninguém é normal”.
A carreira política de Cid é sempre ascendente ao ponto de colocar seu inspirador contemporâneo mais próximo, o ex-governador Ciro Gomes, na condição de coadjuvante e explícito admirador: “quem manda é o governador”, lembra Ciro Gomes, hoje secretário da Saúde do Ceará.
Ao irônico e polêmico Voltaire atribui-se a frase “Deus me defenda dos amigos, que dos inimigos me defendo eu.” Nesse ponto Cid saiu-se bem. Dormiu com amigos e acordou com inimigos e vice-versa. Em um épico shakespeariano matou o pai, não que este o tivesse abandonado, mas a metáfora de “Édipo Rei”, inspiradora de Freud, se configurou aqui com a ruptura sobre a qual poucas acreditavam poder acontecer. Mas o fato é que o rompimento de Ciro e Cid com Tasso Jereissati — um dos grandes padrinhos políticos de Ciro, talvez o maior — confirma a frase de Magalhães Pinto, “política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou.” Ou, José Martins Rodrigues, para quem “em política não há jamais.”
Mas o movimento político mais arriscado do governador foi a mudança no atacado do seu grupo para um partido então recém-fundado, pequeno e inexpressivo, o Pros o que gerou rumores desconfortáveis até mesmo em sua base. Os atritos internos entre a cúpula nacional e diretório estadual do Ceará, provisório, foi momento de grande estresse. Politicamente superado colocou-se sobre o conflito uma pá de cal mas as cicatrizes estão lá.
A cartada mais recente confirma o conhecimento eleitoral aplicado de Cid Gomes e de seu irmão, Ciro. A escolha do candidato Camilo Santana, do PT, talvez tenha surpreendido o próprio Camilo. Empurrar o jogo para o segundo turno foi o golpe certeiro rumo à vitória, não sem perdas e muitos danos. Há dois anos repetira a tática de guerrilha ao derrotar, na disputa para o executivo municipal de Fortaleza, o candidato da sua então recém desafeta política, Luizianne Lins, e eleger o noviço Roberto Cláudio prefeito, pinçado do parlamento estadual direto para o Palácio do Bispo.
O ciclo se encerra, do ponto de vista formal e assim será visto pela história. Mas as marcas do governo permanecerão, em obras físicas que continuam, como o Acquário, por exemplo. Ambiguamente, a despeito de um ciclo encerrado, Cid permanece pelo menos espiritualmente, através de sua mais recente grande obra eleitoral, a eleição de Camilo.
O ciclo fecha mas o portal está aberto.