
Praça do Ferreira – Quando a noite cai, vira dormitório.
Com o título “Saudades do Centro de Fortaleza”, eis artigo do professor e geógrafo José Borzacchiello. Ele toca mais uma vez na questão do Centro e seu quadro de abandono. Confira:
Estamos em pleno dezembro e o Centro de Fortaleza fervilha. Tem gente para todos os lados. Uma festa! Natal de Luz, um encantamento só. Programada a reinauguração do Cine São Luiz com seu hall em mármore de Carrara e sala ricamente decorada. Deveria ser o melhor dos mundos para nosso Centro…mas não é. O Centro de Fortaleza não é mais a mesma coisa e todos sabem disso. A cidade cresceu muito, surgiram novas centralidades em bairros até então, pequenos e inexpressivos. O advento dos shopping centers alterou a fisionomia da cidade e reconfigurou os fluxos comerciais. O Centro tradicional foi resistindo, ajustando-se às imposições do mercado.
Nos últimos anos, o Centro tem apresentado inovações em sua organização espacial com a retomada de algumas funções e ajustes de outras. Ali encontramos um vigor do setor educacional, com a instalação de faculdades e cursos técnicos especializados. É grande também o movimento em torno das clínicas populares que se multiplicaram nas imediações da Santa Casa de Misericórdia. A pujança do comércio deve-se à condição de local de transbordo de diferentes linhas de ônibus urbanos e metropolitanos que por ele circulam, transportando levas e levas de passageiros que moram na extensão dos subúrbios e das cidades da região metropolitana. Falo tudo isso para dizer que apesar de todo o movimento, o Centro encontra-se em avançado estado de descaracterização e abandono.
Vai longe o tempo em que havia vestígios de cuidados com a imagem do bairro. É inadmissível que um local tão expressivo para a capital, parte que se confunde com a própria cidade, esteja em situação sofrível quanto aos cuidados essenciais. Poderia listar logradouros, edifícios de prestígio, monumentos que diferenciam o Centro de outros bairros da cidade. Como não admirar a beleza da Praça General Tibúrcio, também conhecida como Praça dos Leões?
No entorno da praça, temos o Museu do Ceará, instalado no edifício que alojava a antiga Assembleia Provincial, a igreja do Rosário, o Palácio da Luz, antigo Palácio do Governo hoje ocupado pela Academia Cearense de Letras. A praça possui um belo mobiliário urbano com bancos, vasos ornamentais, os famosos leões, excelente cobertura vegetal, monumento ao general Tibúrcio e a famosa estátua de Rachel de Queiroz, sentada num dos bancos. A praça tem um coreto, infelizmente usado como banheiro público.
Odores e insetos expulsam os visitantes que se aproximam dele. Essa e outras manifestações de desrespeito ao patrimônio e à memória da cidade, ocorrem noutros logradouros do Centro, alguns, também, de rara beleza. Não acredito que não haja mecanismos de controle capazes de atenuar os constantes usos e abusos presentes nos logradouros do Centro. Ver o estado lastimável do bairro, com tanto abandono e sujeira, enche o nosso peito de tristeza e saudades.
* José Borzacchiello da Silva
borza@secrel.com.br
Geógrafo e professor emérito da UFC.