Com o título “Você acha que a imprensa lhe representa?”, eis artigo do jornalista e sociólogo Demétrio Andrade para boas reflexões nesta sexta-feira de reta final de campanha. Confira:
Como jornalista, sempre desconfiei desta história de que “imprensa é o 4º poder”. Acho uma observação sem profundidade, afeita ao senso comum, que quer conferir a esta instituição uma importância social a meu ver bem além de suas reais possibilidades. Dia desses, em evento realizado na Estácio/FIC, mediando uma palestra da socióloga Monalisa Soares, ouvi dela uma observação interessante, ao comentar uma resposta do jornalista William Bonner, quando questionado sobre o tom agressivo usado por ele nas recentes entrevistas com presidenciáveis no 1º turno.
Bonner afirmou que era tarefa dele fazer perguntas que incomodassem os entrevistados, sobre coisas que a população tinha o direito de saber. Monalisa lembrou que quando há perguntas feitas pelos próprios eleitores, elas nunca são agressivas. Geralmente o que “o povo quer saber” é quais são as propostas dos candidatos para resolver seus problemas cotidianos: saúde, educação, habitação, segurança etc. Vale indagar: quem deu ao Bonner o direito e a autoridade de se achar representante do povo? Quem disse que as perguntas e a postura do apresentador do Jornal Nacional são as que o povo queria ver e saber?
A leitura ideológica de Bonner se coaduna com uma visão romântica e idealista do jornalismo, apresentando a imprensa como uma ferramenta contínua de fiscalização e investigação sobre os poderes, notadamente o poder público. Quanto a isso, sem problema. Mas daí a se apresentar como uma “entidade” acima das relações sociais, “livre” de quaisquer pressões sociais e “defensora” dos interesses do povo é de um cabotinismo indefensável.
A Rede Globo, assim como qualquer outro veículo de comunicação, ou como qualquer outra empresa, tem seus negócios, interesses e pontos de vista. O próprio Bonner, por sua vez, também pode e deve ter suas preferências políticas. Ambos estão compondo uma complexa engrenagem social onde a economia de mercado é o item mais importante. Querer vender a ideia da “imparcialidade jornalística” nestes tempos modernos é exigir do cidadão uma cegueira e uma inocência que avilta mesmo os menos dotados de inteligência e consciência crítica.
Não vou reforçar aqui também um discurso esquerdista demonizante sobre os interesses comerciais da mídia. Numa sociedade capitalista, querer que empresas jornalísticas não façam negócios e não obtenham lucros é um denuncismo ingênuo e sem cabimento. Como qualquer empreendimento comercial, veículos de comunicação precisam faturar para sobreviver. O que se está questionando é a tentação dos meios de sempre esconderem esta realidade sob o pano da imparcialidade.
O radicalismo do 2º turno presidencial trouxe à tona novamente este problema. É cada vez mais explícito o apoio ou o ataque dos meios de comunicação de massa às duas candidaturas, segundo suas preferências. Retomo o ponto de vista já dito em outros artigos: seria muito mais honesto que os veículos assumissem suas posições, para que o público soubesse de onde vem o discurso e pudesse avaliar a autenticidade e a credibilidade das notícias de forma mais clara.
Os jornalistas, igualmente, não estão “acima do bem e do mal”. E reconhecer esta limitação é um exercício de humildade e respeito com a esfera pública, que já se acostumou, via redes sociais, a explicitar as contradições cada vez maiores de quem se diz isento mas faz propaganda deslavada, contra ou a favor. Caso meios e profissionais de imprensa não aproveitem este momento para fazerem uma profunda autocrítica, a credibilidade e a representatividade social dos mesmos será posta em xeque. Mesmo porque o público acostumou-se não só a ler, mas também a produzir notícias, divulgando ele mesmo as suas próprias verdades.
* Demétrio Andrade
Jornalista e sociólogo.