Com o título “Cúpula do BRICS em Fortaleza”, eis artigo do professor e advogado Marcelo Uchoa. Ele destaca a importância do encontro, que tem início nesta segunda-feira, no Centro de Eventos. Confira:
É de conhecimento comezinho que a passagem do ex presidente Lula pelo poder, a partir de 2003, causou um frisson na tradicionalmente hermética composição de forças da geopolítica internacional. Se antes de seu governo havia uma preocupação com a política que seria adotada no Brasil doravante, se deslocada da matriz econômica anteriormente estabelecida ou se compatível com as exigências da ordem global, e, ainda, se capaz de contornar o grave cenário de crise nacional emergido desde a hecatombe financeira de 1998/99, tão logo assumiu a presidência, Lula tratou de aplacar o mercado, mediante uma série de estratégias, dentre as quais se destacou um novo cabedal de parcerias internacionais.
Fundamentalmente, a chancelaria passou a buscar alternativas à hipertrofiada dependência econômica do país com os Estados Unidos, reorganizando o eixo de entendimentos comerciais exteriores brasileiros.
Dando azo a este escopo, operou uma arguta articulação diplomática em dois sentidos simultâneos diversos, focando o equacionamento dos interesses e possibilidades nacionais em relações assimétricas mantidas com parceiros economicamente mais fortes (EUA, União Europeia), combinado com o aquecimento de parcerias simetricamente firmadas com países em desenvolvimento (nações sul e latino-americanas, além de outros blocos comerciais formados em razão de interesses estratégicos, etc.), a partir do convencimento de que os interesses brasileiros, pelas semelhanças históricas, culturais, econômicas e/ou sociais com os países em diálogo, também aos destes se assemelhavam, podendo ser objetos de postulação conjunta.
Com tal política de face dupla, balanceando interesses comerciais, possibilidades políticas, força regional e global, o Brasil passou a sedimentar relações nem totalmente assimétricas (verticais), nem totalmente simétricas (horizontais), consolidando, isto sim, um eixo diagonal de cooperação, propagador de uma força centrípeta permanente em Uma das primeiras medidas visando equilibrar o vértice assimétrico foi arrefecer o fortalecimento da então latente Aliança de Livre Comércio das Américas – ALCA, que, de fato, só robusteceria ainda mais a relação de dependência do Brasil com os Estados Unidos. Ao mesmo tempo, em impulso simétrico, apostou no fortalecimento do Mercosul (tencionando conduzi-lo, inclusive, a uma aproximação posterior com a União Europeia), pois com parcerias regionais alavancaria o mercado do Cone Sul, minorando os efeitos do desequilíbrio da balança comercial.
Contudo, o mais arrojado salto no sentido de robustecer as relações internacionais simétricas do país se deu na organização do BRICS, bloco econômico nascido da aglutinação das chamadas nações “baleias” (gigantes geograficamente, mas em situação de desenvolvimento), isto é, Brasil, Rússia, Índia e África do Sul (South Africa). Estes países, juntos, ocupam quase 26% da área terrestre do planeta, reúnem cerca de 45% da população mundial, respondendo por algo aproximado a 20% do PIB global (25% do PIB per capita), com projeção de contribuição para crescimento anual do PIB mundial na ordem de algo próximo a 60%, contra apenas 10% de todo G7, segundo dados recentemente divulgados.
A existência do BRICS difere, na essência, da existência política de outros blocos dos quais o Brasil participa, em razão de inexistir motivação de ordem territorial (como o Mercosul e a Unasul, por exemplo), identificação cultural (como a CALC/CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), tampouco por haver um fim específico, conforme possuem o G4 (Brasil, Índia, Japão e Alemanha), que busca reformular a composição do Conselho de Segurança da ONU, ou o BASIC (Brasil, África dos Sul, Índia e China), que busca convergir em torno de interesses climáticos, ou o G20 (G8 acrescido das 11 potências emergentes e mais a União Europeia), cujo escopo é discutir a pauta econômica global. Ou seja, o que confere ao BRICS novas perspectivas é o fato de não ter emergido de notas de natureza geográfica, ideológica e cultural, senão interesses nitidamente econômicos, apesar de que existe uma natural esperança no afunilamento de outras perspectivas, sobretudo culturais.
Desde sua formalização, em 2008, até o momento, a composição do BRICS para os interesses brasileiros tem sido um sucesso, pela diversificação em si da parceria e pela redução da dependência norte-americana. O fato da China e da Índia possuírem economias com altos índices anuais de crescimento, aliado à estabilidade financeira de Rússia e África do Sul, têm permitido ao Brasil superar, com êxito, as expectativas comerciais dentro do bloco, possibilitando-lhe superar todas as crises especulativas globais com segurança, consolidando-lhe, também, como alicerce para a solidez de parceiros de menor envergadura, como os países do Mercosul, fato que irradia bons efeitos para toda região.
Enfim, as alianças oriundas do novo protagonismo internacional brasileiro iniciado no período Lula, tal como ora se impõe o BRICS, incrementaram o comércio brasileiro, não apenas em perspectiva amplamente mais otimista que o quadro vivido anteriormente a 2003, como elevaram a importância do país na geopolítica internacional, credenciando-o a novos desafios.
No ao próprio BRICS, os olhos se voltam, hoje (14/07) e amanhã, para Fortaleza, que serve de sede para a VI Cúpula do bloco. Para o encontro internacional, grande em importância e magnitude, confirmaram presença os Chefes de Estado das cinco nações envolvidas, acompanhados dos respectivos ministros da fazenda, de comércio exterior, além de presidentes dos bancos centrais, fato que, por si só, manifesta o nível de prestígio obtido pela presidenta Dilma Rousseff no eixo das articulações.
A pauta central da nova Cúpula é a instituição do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e Arranjo Contingente de Reservas (ACR), com capital que, especula-se, uma vez consumado o acordo, poderá atingir US$ 50 bilhões. Tais recursos serão eventualmente destinados não apenas a fomentar o desenvolvimento comercial no âmbito do extenso território envolvido, como a socorrer os eventuais países em cenários de crise, funcionando, outrossim, como alternativa às instituições de Bretton Woods, em especial FMI e Banco Mundial, os quais jamais se libertaram das amarras que os atrelam à governança das potências do G7, sobretudo dos Estados Unidos.
Além disso, a parte às comitivas oficiais, é esperada, também, marcante participação do empresariado destes cinco países (comenta-se, pelo menos mil empresários), o que, certamente representará, um impulso ainda maior no incremento das relações de comércio desenvolvidas pelo Brasil em nível internacional. Enfim, apesar da ressaca da Copa do Mundo de 2014, vale a pena observar com atenção os desdobramentos da IV Cúpula do BRICS de Fortaleza.
* Marcelo Uchoa,
Advogado e Professor de Direito Internacional da UNIFOR.